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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Artigo Edição 30 - Ser Sustentável


SISTEMAS DE COTAS NAS UNIVERSIDADES: POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA?

Na edição de maio da GS deste ano, refletimos sobre o lado maléfico das políticas protecionistas de mercado, adotadas pelo governo brasileiro, apontando para o efeito desastroso da encoberta de nossa ineficiência, tanto em termos produtivos quanto em termos de infraestrutura para a produção. Entendo que a proteção é positiva quando proporciona ao protegido a oportunidade de, no mínimo, igualar-se a quem ou à situação que o ameaça. Recentemente, deparamo-nos, novamente, com mais uma medida protecionista aprovada por decreto pelo atual governo brasileiro. Tal medida determina que, de imediato, mais de 12% das vagas em todas as universidades públicas federais, em todos os cursos e turnos, sejam destinadas a alunos que cursaram o Ensino Médio em escolas públicas. A meta, de acordo como a portaria 18 do MEC, é que, em quatro anos, metade das vagas das universidades públicas seja reservada para alunos egressos de escolas públicas.

Novamente fico com a sensação de que estamos tratando, com equivocada e vergonhosa desenvoltura, os efeitos provocados por uma educação pública de base miserável, assim como fizemos com nossa indústria, frente ao nosso desleixo com relação à infraestrutura do Brasil. Para quê cotas, podemos perguntar? Porque, em última instância, reconhecidamente, o ensino público médio e, principalmente, o fundamental em nosso país – em todas as instâncias de poder, diga-se de passagem – são incapazes de capacitar seus alunos para disputarem as vagas nas universidades públicas em iguais condições aos alunos egressos de escolas particulares. Por quê? Porque são anos seguidos de descaso dos governos com a educação do brasileiro. Atualmente, investimos cerca de quatro vezes menos em educação secundária do que a média dos 34 países da OCDE – Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico.

Assim como as políticas de bolsas e de incentivos ou renúncias fiscais, a política de cotas pode esconder, mais que a ineficácia de nossas escolas: pode iniciar um processo perigoso de substituição do mérito, no sistema educacional, pela simples proteção. Não é difícil prever que, se, de fato, ocorrer tal substituição, o maior perdedor será o desenvolvimento do nosso país.

TODA DISCRIMINAÇÃO É NEGATIVA
               
      Anteriormente à discussão da necessidade ou não de cotas, algumas medidas são necessárias, a começar pelo entendimento do que seja a autodeclaração de que farão os alunos sobre a cor da pele (imagino que já estejamos concordando de que somos da espécie humana). Quem é pardo? Quem é negro? Onde foi para o mestiço? Somos descendentes de 500 anos de miscigenação entre europeus brancos, indígenas e  africanos.

      Outro aspecto a ser considerado nessa questão: em nosso sistema educacional, o mérito, e, por conseguinte, uma boa dose de esforço do estudante, ainda são fundamentais para a excelência na formação de profissionais. Forçar a entrada de alunos advindos de uma educação de base que se enquadra entre as piores do mundo, além de quebrar a meritocracia, pode afetar a qualidade do ensino e o interesse dos alunos pela pesquisa nos cursos de pós-graduação das faculdades públicas. Corremos o risco de nivelarmos por baixo, porque baixa é a nossa capacidade de desenvolver políticas educacionais que promovam a formação de cidadãos comprometidos com o desenvolvimento social do nosso país.

Não podemos dizer que o Ensino Superior, como está, seja razoável. Não dá para considerar aceitável um modelo educacional onde menos de 3% dos alunos do Ensino Superior advém dos 20% mais pobres da população. É um sistema desequilibrado e cruel. Mas resolver o problema do desequilíbrio do acesso ao ensino do terceiro grau no Brasil por meio de cotas atreladas à renda, cor de pele, e outros parâmetros dissociados da atividade educacional é, no mínimo, mais uma medida paternalista. Que tal começarmos a combater a causa e não o efeito? Que tal criarmos cotas nos orçamentos públicos que tenham como objetivo retificar as injustiças cometidas no passado com nossa educação de base? 

Ivan de Melo Dutra - Arquiteto e Urbanista e Mestre e Organizações e Desenvolvimento.

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