SISTEMAS DE COTAS NAS UNIVERSIDADES: POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA?
Na edição de
maio da GS deste ano, refletimos sobre o lado maléfico das políticas
protecionistas de mercado, adotadas pelo governo brasileiro, apontando para o
efeito desastroso da encoberta de nossa ineficiência, tanto em termos
produtivos quanto em termos de infraestrutura para a produção. Entendo que a
proteção é positiva quando proporciona ao protegido a oportunidade de, no
mínimo, igualar-se a quem ou à situação que o ameaça. Recentemente, deparamo-nos,
novamente, com mais uma medida protecionista aprovada por decreto pelo atual
governo brasileiro. Tal medida determina que, de imediato, mais de 12% das
vagas em todas as universidades públicas federais, em todos os cursos e turnos,
sejam destinadas a alunos que cursaram o Ensino Médio em escolas públicas. A
meta, de acordo como a portaria 18 do MEC, é que, em quatro anos, metade das
vagas das universidades públicas seja reservada para alunos egressos de escolas
públicas.
Novamente fico
com a sensação de que estamos tratando, com equivocada e vergonhosa
desenvoltura, os efeitos provocados por uma educação pública de base miserável,
assim como fizemos com nossa indústria, frente ao nosso desleixo com relação à
infraestrutura do Brasil. Para quê cotas, podemos perguntar? Porque, em última
instância, reconhecidamente, o ensino público médio e, principalmente, o fundamental
em nosso país – em todas as instâncias de poder, diga-se de passagem – são
incapazes de capacitar seus alunos para disputarem as vagas nas universidades
públicas em iguais condições aos alunos egressos de escolas particulares. Por
quê? Porque são anos seguidos de descaso dos governos com a educação do
brasileiro. Atualmente, investimos cerca de quatro vezes menos em educação
secundária do que a média dos 34 países da OCDE – Organização para Cooperação
do Desenvolvimento Econômico.
Assim como as
políticas de bolsas e de incentivos ou renúncias fiscais, a política de cotas
pode esconder, mais que a ineficácia de nossas escolas: pode iniciar um
processo perigoso de substituição do mérito, no sistema educacional, pela
simples proteção. Não é difícil prever que, se, de fato, ocorrer tal
substituição, o maior perdedor será o desenvolvimento do nosso país.
TODA DISCRIMINAÇÃO É NEGATIVA
Anteriormente
à discussão da necessidade ou não de cotas, algumas medidas são necessárias, a
começar pelo entendimento do que seja a autodeclaração de que farão os alunos
sobre a cor da pele (imagino que já estejamos concordando de que somos da
espécie humana). Quem é pardo? Quem é negro? Onde foi para o mestiço? Somos
descendentes de 500 anos de miscigenação entre europeus brancos, indígenas e africanos.
Outro aspecto
a ser considerado nessa questão: em nosso sistema educacional, o mérito, e, por
conseguinte, uma boa dose de esforço do estudante, ainda são fundamentais para
a excelência na formação de profissionais. Forçar a entrada de alunos advindos
de uma educação de base que se enquadra entre as piores do mundo, além de
quebrar a meritocracia, pode afetar a qualidade do ensino e o interesse dos
alunos pela pesquisa nos cursos de pós-graduação das faculdades públicas.
Corremos o risco de nivelarmos por baixo, porque baixa é a nossa capacidade de
desenvolver políticas educacionais que promovam a formação de cidadãos
comprometidos com o desenvolvimento social do nosso país.
Não podemos
dizer que o Ensino Superior, como está, seja razoável. Não dá para considerar
aceitável um modelo educacional onde menos de 3% dos alunos do Ensino Superior
advém dos 20% mais pobres da população. É um sistema desequilibrado e cruel.
Mas resolver o problema do desequilíbrio do acesso ao ensino do terceiro grau
no Brasil por meio de cotas atreladas à renda, cor de pele, e outros parâmetros
dissociados da atividade educacional é, no mínimo, mais uma medida
paternalista. Que tal começarmos a combater a causa e não o efeito? Que tal
criarmos cotas nos orçamentos públicos que tenham como objetivo retificar as
injustiças cometidas no passado com nossa educação de base?
Ivan de Melo Dutra - Arquiteto e Urbanista e Mestre e Organizações e Desenvolvimento.
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