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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Artigo: Perdi um grande amor

Meu coração está quebrado. Perdi um grande amor. Não pare de ler minha coluna achando que eu estou aproveitando um espaço de comunicação para desabafar. A não ser que você nunca tenha feito um curso de educação ambiental onde lhe pediram para fechar os olhos e abraçar uma árvore. Árvore talvez não, mas abraçar um colega de trabalho - que casualmente estava à sua direita - em uma roda de pessoas de mãos dadas em uma fria sala de treinamento, isso algum dia você já fez! Ou algo sentimental parecido. E no final do treinamento garantiram-lhe que o ambiente no trabalho iria mudar, para melhor é claro. Lembrou? Então entenda meu coração partido e continue lendo esta singela declaração.

Perdi um grande amor. Esta experiência todo mundo já passou um dia na vida. É que junto também perdi um grande amigo. E aí complicou porque um grande amor sempre acaba voltando, repaginado. Basta passar a mágoa e a emoção volta novinha em folha. Mas amigo não é tão simples assim, pois amigo é sempre único. Por isso circunstancialmente temos um grande amor e vários amigos. Por que amigos são tão únicos que não dá para juntar todos em um único amor.

Agora vou ser mais direta porque você já está achando que é auto-ajuda.

Li pela primeira vez a obra As Veias Abertas da América Latina , do jornalista e escritor Eduardo Galeano, aos 19 anos. Confesso que eu não entendi muita coisa, mas me chamou a atenção como certos fatos históricos mencionados no livro foram colocados de forma tão instigante em comparação com as abordagens das aulas de história do Ensino Médio que eu recém havia terminado. Os relatos expostos no livro eram complexos, surpreendentes e aterradores; pareciam uma obra de ficção diante das inocentes aulas do colégio estadual que eu frequentara.

Fiz faculdade e pós-graduação. Comecei a trabalhar. Durante esse período voltei a ler o mesmo livro várias vezes, e em cada leitura eu entendia o texto um pouco mais. O que me parecia ficção se tornava cada vez mais real, mais lógico. E a realidade mais ordinária e mais ilógica. Percebeu o amor? Não é paradisíaco?

Por que o Brasil é a nação com a quinta maior economia mundial e a penúltima em educação? Por que nossa economia não precisa de uma boa educação. Como isso é possível? É só ler Galeano. Quinhentos anos de história resumidos em trezentas e poucas páginas com uma narrativa lógica que demonstra a exploração econômica e política da América Latina. Porque temos a maior empresa produtora de combustíveis do mundo e o preço da gasolina não diminui? Adivinha? Está lá. Comecei a reservar um bom tempo para entender o meu amor. Percebeu a amizade? Daquelas que geram longas conversas que tranquilizam o coração? Daquelas para as quais não precisa haver solução ou conclusão, apenas uma irmandade de ideias e ideais. E que fazem o futuro parecer mais bonito?

Resolvi casar. Assim mesmo, juntando o amor e a amizade e construindo um futuro comum. Acreditando em um mundo melhor.

Todo mundo que já casou sabe que o início de um relacionamento é um período de ajustes. Lado da cama para dormir, amigos em comum, onde passar as férias. A educação do país é ruim? Vamos melhorar, com garra e com empenho. Amigos da escola. Pequenos ajustes iniciais. Combustíveis fósseis aumentam o efeito estufa? Consumo consciente: ônibus para o trabalho e bicicletas para a escola. Não é confortável, mas pense que bela será a América Latina quando a hemorragia for estancada... Se ainda é bonita após quinhentos anos de saque, imagine quando for respeitada...

E assim lá se foram anos e anos de ajustes. Algumas traições, alguns momentos de fraqueza, mas o amor – e o perdão - sempre foram maiores.

Até que veio a gota final. Como é recente não vou entrar em detalhes por que ainda dói.

Estudo realizado pela consultoria Boomberg News Energy Finance, especialista em energias limpas e mercado de carbono, conclui que os subsídios governamentais às fontes de energias fósseis são 10 vezes superiores aos incentivos à energia de fontes renováveis. Em 2009, os governos investiram um valor entre US$ 43 bilhões e US$ 46 bilhões em projetos de energias renováveis (eólica, solar, biomassa) e de biocombustíveis, contra US$ 557 bilhões gastos em incentivos às energias fósseis, segundo levantamento da Agência Internacional de Energia.

Cansei de tapar o vazamento do dique com meus próprios dedos. Coração quebrado pode se dar ao luxo de escovar os dentes com a torneira de água aberta. A hemorragia é bem maior, secular, e não vai parar.

Rosimery de Fátima Oliveira
Artigo publicado originalmente na edição 19 - Revista GERAÇÃO SUSTENTÁVEL

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