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terça-feira, 6 de agosto de 2013

Por um ambiente melhor - Entrevista Edição 33

Jeferson Dantas Navolar
Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná (CAU/PR)

Durante quase 80 anos, arquitetos e urbanistas conviveram com engenheiros de todas as especialidades e agrônomos em um conselho multiprofissional. Depois de muitos anos de batalha, entre discussões, elaboração de Projeto de Lei e tramitação no Congresso Nacional, em 31 de dezembro de 2010, num dos últimos atos do governo do presidente Lula, foi autorizada por Lei Federal a criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo. A Lei nº 12.378 também veio para regulamentar o exercício da profissão, entre outras providências. No Paraná, o Conselho está em funcionamento há cerca de um ano e meio e tem como principais objetivos a institucionalização da profissão de arquiteto e urbanista e a efetivação da presença desses profissionais em todo o estado. Resultados parciais de um Censo realizado em todo o Brasil apontam que no território paranaense há, aproximadamente, 8 mil arquitetos cadastrados como pessoa física e cerca de 1,5 mil como pessoa jurídica. Além disso, existem 189 municípios do estado sem a atuação desses profissionais. Como forma de reverter esse quadro, diversas parcerias estão sendo firmadas por meio do projeto Arquiteto Empreendedor, que faz parte do Núcleo de Empreendedorismo, Sustentabilidade e Cidadania do Conselho, o NESC-CAU/PR. Para abordar esses e outros aspectos dessa profissão essencial para a formação da cidadania e para o desenvolvimento sustentável, ouvimos o primeiro e atual presidente do CAU/PR, arquiteto Jeferson Dantas Navolar, que falou com exclusividade para a revista:

O que representa a criação de um conselho específico para os arquitetos e urbanistas?

A batalha para que o CAU fosse criado durou cerca de 50 anos e passou por três momentos importantes: o primeiro foi de harmonização e envolvimento das entidades, o segundo foi de trâmite do Projeto de Lei no Congresso, com diversas audiências, avaliação por várias entidades e discussões que duraram anos, mas que serviram para que o PL para criação do Conselho fosse cada vez mais aprimorado.

Por fim, o terceiro momento foi o de participação da Casa Civil e da Presidência da República para aprovação e sanção do projeto. É importante ressaltar que essa é uma Lei que nasce após a Constituição de 1988. Ou seja, depois da consolidação do Código Civil, do Código de Defesa do Consumidor, e, por isso, é um Conselho que traz muito mais modernidade e agilidade em relação aos outros conselhos criados antes da Constituição. Um Conselho novo, atual como o nosso, conta com uma administração mais moderna, com menos papel e mais tecnologia. Dentro do sistema multiprofissional, durante quase oito décadas, convivemos a maior parte do tempo harmoniosamente, mas também com a ocorrência de sombreamento e disputas de atribuição entre as profissões. As antigas e as novas engenharias foram se organizando e muitas vezes tirando do arquiteto ou compartilhando conosco as atribuições.

Essa era uma contradição que também nos colocava na condição de "meio arquitetos", ou seja, grande parte da produção da arquitetura ficou com a cara das engenharias. Não há certo nem errado nisso tudo, é apenas uma constatação. O que pretendemos, cada vez mais, é colocar aos poucos a cara do arquiteto e da arquitetura no Conselho, já que agora nossas atribuições estão previstas em Lei. Importante dizer que quem ganha com tudo isso é a sociedade.

Hoje, costumamos dizer que uma das bandeiras que carregamos durante esse debate foi a de que a sociedade estava sem direito à arquitetura. A valorização do arquiteto e urbanista vai de encontro à melhoria dos espaços públicos. As cidades estão sem arquitetura e urbanismo. Além disso, devemos ter mais cuidado com questões regionais e culturais, e a criação do Conselho próprio proporcionará lidarmos melhor com essa situação.

Quais são os benefícios da criação de um Conselho próprio de arquitetos e urbanistas para os profissionais e para a sociedade?

Com a criação do CAU, os arquitetos e a sociedade ganham mais atenção, mais fôlego e força quando o assunto é o planejamento dos espaços públicos e privados.
Outro diferencial é a adaptação e a utilização das novas tecnologias em todo tipo de procedimento. Como exemplo de avanço, destaco também a não exigência de um novo registro em cada unidade da federação que o profissional venha a exercer sua profissão, uma vez que o registro no CAU é nacional.

Temos como ferramenta mais importante na gestão do Conselho a utilização da tecnologia da informação. Como utilizamos a informática como parceira, outras facilidades são decorrentes, como possibilidade de registro on- -line e a emissão de certidões virtuais, o que tem sido muito bem-entendido pelos profissionais. As novas carteiras de identificação já foram elaboradas pensando nisso. Elas contam com chip, o que permitirá que possam receber insumos, como informações sobre projetos ou parcerias firmadas.

Em relação aos valores que nos autorizaram a cobrar para a gestão do Conselho, é importante ressaltar que eles são bem menores do que os cobrados anteriormente. O CAU não é um Conselho que visa arrecadação. As taxas mínimas que praticamos representam uma redução significativa no preço final da atuação dos profissionais, talvez algo em torno de 10% do que era cobrado antes. Também defendemos a inclusão dos arquitetos em mais projetos públicos e privados. Hoje, temos muitas gestões de prefeitos sem um corpo técnico qualificado, sem ao menos um arquiteto para participar do planejamento de parques, escolas e hospitais, o que certamente traz muitas consequências.

Quais são as principais bandeiras defendidas pelo CAU/PR? Ele segue os princípios do Conselho Federal?

“Levar arquitetura a quem não tem” e “Arquitetura é atribuição de arquiteto”. Essas são as principais bandeiras, que surgiram da luta pela criação do Conselho e continuam de pé nessa construção da sensibilização da sociedade em relação à atuação do arquiteto e urbanista. Genericamente, podemos dizer que a maioria dos CAUs no Brasil segue essa linha de pensamento. 

É importante destacar que temos liberdades administrativa e financeira previstas em Lei, mas sempre as normas do Conselho nacional devem ser analisadas e espelhadas nas ações dos estados. As plenárias estaduais existem exatamente para que as questões regionais surjam e sejam abordadas. No Paraná, temos uma plenária com 15 conselheiros titulares e 15 suplentes, estabelecida pelo colégio eleitoral em 2010, seguindo a proporcionalidade dos profissionais registrados.

O registro de pessoas física e jurídica no Conselho, bem como os trabalhos realizados por esses profissionais, é obrigatório?

Sempre foi obrigatório o registro de arquiteto e urbanista para o exercício da profissão, assim como em qualquer outra profissão regulamentada no país.
Os profissionais precisam comunicar ao Conselho o que estão fazendo. Porque isso? Porque o trabalho do Conselho é justamente atuar em defesa da sociedade, fiscalizando o exercício da profissão. Essa comunicação das atividades profissionais é obrigatória e tem sido diária, on-line, o que a transforma imediatamente em insumo para nossa atuação. Antes não era assim.

Por outro lado, se tomamos conhecimento de obras sendo construídas sem a supervisão de um arquiteto, nós vamos lá checar quem é o responsável, se é um leigo ou se tem um engenheiro. É obrigatória a participação de arquiteto ou engenheiro na execução das obras, e as parcerias entre ambos, principalmente em grandes obras, são muito comuns. Exercer a profissão sem registro é ilegal. E para evitar esse tipo de situação, temos uma parceria muito forte com as prefeituras e as secretarias de urbanismo, as quais emitem as autorizações para construção.

Toda vez que um profissional solicita um alvará junto ao órgão público ele precisa apresentar o seu registro e comprovar que está habilitado para o projeto. Dessa forma, a sociedade não corre risco, que é uma palavra muito comum hoje, seja risco de desmoronamento, de enchente ou de desabamento.

Entre as atividades previstas para serem realizadas pelo CAU está um Censo para identificar a realidade profissional. Existe um resultado desse trabalho? Atualmente, quantos arquitetos e urbanistas fazem parte do Conselho paranaense? Qual a estimativa de novos profissionais ingressando no mercado anualmente?

No Paraná, estão registrados no Conselho como pessoas físicas mais de 7,3 mil arquitetos, e pouco mais de 1,4 mil como pessoas jurídicas. Esses são números preocupantes, se pensarmos que apenas algo em torno de 20% dos profissionais estão organizados empresarialmente E os outros 80% são o quê? Ainda há muita informalidade, fato que se reflete na existência de profissionais sem direito à aposentadoria, sem direito a crédito e muitos outros benefícios. Para fortalecer a profissão, é preciso que os arquitetos sejam empreendedores, e para isso temos que institucionalizar a participação do arquiteto na sociedade.

No Paraná, há 20 cursos de arquitetura autorizados, dos quais saem cerca de mil profissionais por ano, ou seja, em 10 anos, dobraremos esse número. Por isso, é nosso papel incentivar os arquitetos a serem empreendedores formais pelo bem deles e de toda a sociedade. Essa realidade já era conhecida e foi comprovada pelo resultado preliminar do Censo realizado em todo o país, que trouxe um panorama por cidade. 

Essa mesma pesquisa identificou que temos 189 municípios paranaenses sem arquitetos. Ou seja, metade das prefeituras não tem arquiteto, seja como funcionário público, seja como morador da cidade. Esse é um dado extremamente preocupante.
Como é que essas prefeituras fazem a gestão do seu território, está lá o engenheiro civil fazendo isso ou não há ninguém?

Como está funcionando a migração do conselho anterior para o CAU? Todos os arquitetos do Paraná já solicitaram, receberam a nova carteira profissional?

A migração foi obrigatória e automática. Aconteceu em alguns estados com mais dificuldade e em outros de forma mais fácil. No Paraná, a migração dos dados foi efetivada em seis meses. O CREA tinha obrigação de passar os dados, e o CAU tinha o dever de recadastrar e de fazer todo o atendimento. No Paraná, isso funcionou muito bem.

Em outros estados, não foi assim. É importante dizer que o artigo da Lei que previa a transferência do patrimônio de anos de arrecadação pelos arquitetos junto ao antigo conselho foi vetado, por isso o único repasse para o novo Conselho foi o referente à parte da arrecadação de 2011, o que nos possibilitou o início dos trabalhos.

Em determinados estados isso ainda não aconteceu. Nem todos os arquitetos receberam suas carteiras profissionais porque nem todos se recadastraram. Fizemos uma campanha forte em relação a isso, mas o recadastramento é voluntário. Quase 85% dos profissionais do estado já atenderam ao nosso chamado. 

No caso das pessoas jurídicas, ainda não temos levantamento, mas estamos fazendo convocações para o recadastramento o tempo todo. Para isso, estamos acionando órgãos públicos, universidades, informando das atribuições dos arquitetos e como eles devem agir.

Nova sede do CAU/PR ( Casa Mario de Mari)


Qual a relação entre o CAU e o IAB?

O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) é uma entidade centenária, que antecedeu inclusive a criação do CREA. O IAB sempre foi e continua sendo o local onde os arquitetos brasileiros se expressam sobre aspectos culturais e políticos. No Paraná, continuamos parceiros nesse sentido e não há sombreamento. O CAU tem atribuições previstas em Lei, como fiscalizar a atuação do bom arquiteto, do mau arquiteto e do leigo, bem como valorizar o trabalho do arquiteto em todo o Brasil.

O IAB é uma entidade sem fins lucrativos, que tem força política intensa e atuação consagrada, o que foi essencial para a criação do CAU. Sem o IAB e outras entidades, é quase certo que o CAU não existiria.

Quais têm sido os principais desafios e conquistas neste primeiro ano de implantação do Conselho?

O principal desafio é, sem dúvida, compreender exatamente como está sendo desenvolvida a atuação dos arquitetos e urbanistas no estado e no país: quem somos, onde estamos e o que estamos fazendo, sem deixar de atender aos profissionais.

Como conquistas, temos resultados estatísticos extremamente positivos: saímos do CREA com uma média mensal de 6 mil Anotações de Responsabilidade Técnica (ART), e hoje, com pouco mais de um ano de funcionamento, ultrapassamos a marca de 8 mil Registros de Responsabilidade Técnica (RRT) mensais. Tudo isso porque o sistema está funcionando, é barato, os profissionais aderiram e as prefeituras também.

Assim, podemos dizer que fomos eficientes nessa transição, uma vez que já temos um volume 25% superior de registros em relação ao antigo conselho. Dessa forma, digo que estamos no caminho certo, o que é uma grande conquista.

Quais são as metas para os próximos anos?

Uma das principais é a instalação, ainda este ano, de cinco escritórios regionais do CAU. Apesar de termos a tecnologia da informação a nosso favor, nós temos que estar mais presentes e próximos dos profissionais.

Fomos autorizados pela plenária do Conselho a instalar escritórios regionais em Maringá, Londrina, Cascavel e Pato Branco e, em breve, também em Guarapuava. Além disso, no final de junho estaremos inaugurando nossa sede definitiva de Curitiba, localizada na Casa Mário de Mari, uma residência modernista do início da década de 60, que é uma UIP - Unidade de Interesse de Preservação.

Esse tipo de ação, a instalação de escritórios regionais, vai de encontro ao nosso objetivo de aumentar a presença da Arquitetura na sociedade, assim como a participação efetiva dos arquitetos em todas as regiões do estado.

Para o CAU, a sociedade já tem percepção das diferenças entre o trabalho do arquiteto e do engenheiro? Qual seria a forma correta de diferenciação?

A diferença básica é que o engenheiro é da área de tecnologia e o arquiteto é da área de humanas. Eu acho que esse é o nosso maior desafio, fazer a sociedade entender a diferença entre o produto do arquiteto do produto do engenheiro. Como exemplo, cito a Argentina e o Uruguai, países nos quais não há nenhum projeto que não tenha participação de um arquiteto.

Essa é uma questão histórica, que tem relação com a diferença entre as ex-colônias portuguesas e as ex-colônias espanholas na ocupação do território.

As ex-colônias espanholas preocupavam-se mais com a valorização dos espaços públicos, enquanto as portuguesas priorizaram os espaços privados. Esses são dogmas que nós herdamos. Por isso, dizemos que o Brasil é um dos países do Ocidente em que o direito à propriedade é um dos mais exacerbados do mundo, onde o coletivo está em segundo plano. E de que forma isso afeta o trabalho dos arquitetos? Na gestão dos espaços públicos e privados.


Então, esse é um paradigma que deve ser revisto. É importante destacar também que há apenas 10 anos temos uma norma de administração pública, que é o Estatuto das Cidades, no qual o poder público mostrou para a sociedade como se faz administração do território urbano, por reivindicação dos arquitetos.

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Veja os conteúdos dessa edição:

Matérias:
- Capa: Arquiteto Empreendedor
- Espaço Arquitetura
- Construções Sustentáveis: Integração e Sustentabilidade desde a concepção do projeto
- Responsabilidade Social Corporativa: (CPCE Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial) Implantação de projetos socioambientais requer planejamento
- Responsabilidade Ambiental: Cultivando Água Boa
- Desenvolvimento Local: Aliança Paraná Sustentável
- Desenvolvimento Social: CEF apoia empreendimentos habitacionais sustentáveis



Artigos:
- Artigo: Vamos de carro ou de metrô? (Jerônimo Mendes)
- Artigo: Engajando e cultivando talentos (Rafael Giuliano)
- Artigo: Arquitetura Sustentável: um processo (Ivan Dutra)

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