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terça-feira, 9 de novembro de 2010

Artigo: A nossa beleza refletida na água

A maioria das pessoas conhece a lenda do Narciso, um belo rapaz que todos os dias ia contemplar sua própria beleza num lago. Era tão fascinado por si mesmo que certo dia caiu dentro do lago e morreu afogado. No lugar onde caiu, nasceu a flor chamada de narciso. Mas não era aqui que Oscar Wilde enxergava o fim da história. As deusas que moravam no bosque perceberam que o lago havia se transformado, de água doce, em um cântaro de água salgada. Então elas perguntaram ao lago:
- Por que chora?
- Choro por narciso – respondeu o lago.
- Não nos espanta – continuaram elas. – Afinal você podia contemplar a beleza dele todos os dias.
- Narciso era belo? Eu choro por Narciso, mas jamais havia percebido sua beleza... – completando depois de algum tempo - Choro por Narciso porque, todas as vezes que ele se debruçava em minhas margens eu podia ver, no fundo de seus olhos, minha própria beleza refletida.

Esta pequena história é parte introdutória do livro “O Alquimista” de Paulo Coelho. Mas ela pode muito bem ser utilizada como uma metáfora da nossa forma de tratar o recurso natural água. A Região Metropolitana de Curitiba (RMC) e arredores está situada numa área abrangida por duas bacias hídricas, a bacia do Iguaçu e a bacia do Ribeira. Estas duas bacias hidrográficas fazem parte de duas unidades maiores representadas pela bacia do Prata e pela bacia litorânea. Não entrarei no mérito da qualidade da água dos nossos rios, vamos direto a nossa beleza (ou ao que nos interessa), a água potável. A qualidade da água potável pode ser acompanhada pelo monitoramento da água dos reservatórios de abastecimento. No caso de Curitiba os reservatórios mais antigos são os de Iraí, Alto Iguaçu e Passaúna. A qualidade de água destes reservatórios e de outros do estado é acompanhada desde 1999 pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado por meio do índice de Qualidade da Água de Reservatórios IQAR. Formado por uma série de parâmetros laboratoriais, o IQAR estabelece uma matriz de qualidade de água que determina se um reservatório é não impactado (Classe I) até extremamente poluído (Classe VI). Para poder ser utilizado para fins nobres (como a nossa beleza) um reservatório deve estar caracterizado entre os níveis I a III, sendo a classe III reconhecida como “moderadamente degradado”. Uma pesquisa realizada pela SEMA sobre a qualidade da água dos nossos reservatórios entre 1999 e 2004 apontou o seguinte cenário: o reservatório do Irai regrediu da classe III (2001/02) para classe IV (2003/2004), o Passaúna evoluiu da classe IV (1999/2000) para classe III (2001 a 2004). O reservatório do Iguaçu não aparece na pesquisa. Em seis anos de esforços ambientais e comitês de bacia a reserva de água potável do estado continua ameaçada. Todos os demais reservatórios do Paraná, à época de publicação da pesquisa, encontravam-se entre as classes II e III.

Além do problema da qualidade da água, temos também o da quantidade. Estão sendo inauguradas na RMC duas obras que darão fôlego aos problemas asfixiantes de corte de distribuição: o Sistema Miringuava, em São José dos Pinhais, e a Barragem Piraquara II. As perdas no sistema de distribuição da água potável, que podem chegar a 40%, continuam sendo um grande entrave.

As fontes de pressão na qualidade da água são bem conhecidas. Em primeiríssimo lugar a agricultura, seguida pela indústria e pela poluição doméstica. Os mecanismos de controle também são conhecidos. Resoluções, normatizações, fiscalização. O que preocupa é a falta de resultado concreto na nitidez do nosso espelho. Esta cada vez mais difícil enxergar a nossa própria beleza.

Artigo publicado na edição 10 da revista Geração Sustentável
Rosimery de Fátima Oliveira - Bióloga, Especialista em diagnóstico e planejamento sistêmico

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