quarta-feira, 13 de junho de 2012
Soja tem gestão ambiental personalizada
A soja é a estrela da agricultura brasileira: segundo o Ministério da Agricultura, é a cultura que mais cresceu nas últimas três décadas e corresponde a 49% da área plantada em grãos do país. O Brasil é o segundo maior produtor e exportador de soja do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos. A soja é produzida em todo o Brasil, mas o principal estado produtor é o Mato Grosso do Sul, seguido pelo Paraná e pelo Rio Grande do Sul. Os compradores da soja nacional são principalmente a China e a Holanda, seguidos de Japão e México. Curiosamente, China e Japão são os países de onde a soja é originária.
Tanto interesse pelo grão se explica pelas suas diversas aplicações, especialmente aquelas voltadas à alimentação humana e animal devido à sua rica composição proteica. É utilizada, ainda, como matéria-prima para cosméticos, biocombustíveis, tintas e outros produtos.
Uma commodity agrícola (mercadoria de baixo valor agregado e comercializada globalmente em estado bruto) tão importante para o Brasil precisa de uma gestão ambiental e de sustentabilidade voltada especialmente para ela. Para o Ministério da Agricultura, o cultivo da soja deve ser orientado por um padrão ambientalmente responsável e com o uso de práticas de agricultura sustentável, entre elas, o sistema integração-lavoura-pecuária e a utilização da técnica do plantio direto. São técnicas que permitem o uso intensivo da terra com menor impacto ambiental, otimizando sobremaneira o uso de seus recursos e reduzindo a pressão pela abertura de novas áreas.
A TNC Brasil (The Nature Conservancy, maior organização de conservação ambiental do mundo, presente em mais de 30 países, que adota diferentes estratégias para preservar a natureza e a vida) realizou um amplo levantamento sobre os mecanismos de produção sustentável do grão, em expansão no Brasil e no mundo. Este levantamento culminou na publicação intitulada “Boas Práticas Agrícolas e Certificação Socioambiental – A Caminho da Sustentabilidade” (disponível gratuitamente em...), com o objetivo de "ilustrar os movimentos do setor agrícola rumo ao equilíbrio entre o desenvolvimento produtivo e a preservação dos ativos sociais e ambientais". Desta maneira, a publicação vem "prover informações iniciais aos produtores, empresas e demais envolvidos nesta cadeia, sobre as particularidades da responsabilidade social e ambiental relacionada às commodities agrícolas, com destaque para a soja e seus subprodutos".
O resultado da pesquisa, feita em parceria com as empresas Cargill, Syngenta, Amaggi e Fiagril, foi lançado na oficina Boas Práticas e Certificação Socioambiental da Soja, organizada pela TNC e parceiros, no dia 29 de março deste ano, em Lucas do Rio Verde, Mato Grosso.
Entre os temas abordados pela publicação, os “Mecanismos Financeiros” merecem destaque, uma vez que descrevem alguns dos principais condicionantes de sustentabilidade exigidas por instituições bancárias para o financiamento da cadeia produtiva. São programas de boas práticas agrícolas adotados por produtores, empresas, órgãos públicos e outras entidades, além de compromissos, acordos e certificações socioambientais são também esclarecidos no documento.
Outro tema de destaque, o CAR, Cadastro Ambiental Rural, é um instrumento de gestão ambiental e territorial que visa à identificação georreferenciada das propriedades rurais, para uma precisa delimitação de suas APPs (Áreas de Preservação Permanente) e de suas RLs (Reservas Legais), além dos remanescentes de vegetação nativa localizadas no interior do imóvel. Esse cadastro, já exigido por alguns órgãos de controle e fiscalização ambiental, apresenta-se como uma ferramenta bastante importante de auxílio ao controle ambiental das propriedades, ao planejamento e à implementação de políticas públicas com base nos dados levantados, além de controlar a efetividade das operações de fiscalização, entre muitos outros benefícios socioambientais, tanto para proprietários de terras, como para trabalhadores e a sociedade em geral.
Na estrada da sustentabilidade
A coordenadora de conservação de terras privadas do Programa de Conservação da Mata Atlântica e Savanas Centrais da TNC, Giovana Baggio de Bruns, diz que todas as commodities agrícolas brasileiras estão trilhando a estrada da sustentabilidade: "Comprovar que produtos agrícolas são produzidos de maneira sustentável é uma ação que não pode mais ser ignorada pelos produtores, visto que os consumidores, os importadores e o mercado estão questionando isso cada vez mais".
Giovana afirma que, para o mercado, não basta ser sustentável, é preciso comprovar a sustentabilidade e esse é o papel das certificações socioambientais: maneiras de se ratificar, com esquemas auditáveis e isentos, que a empresa efetivamente faz aquilo que diz fazer. Ela conta que há países, como a Holanda, que se comprometeram, até 2015, a importar apenas soja certificada conforme rígidos critérios de sustentabilidade. "Se considerarmos que a Holanda é o segundo maior importador da soja brasileira, um mercado bastante interessante e sustentável está se abrindo e o Brasil pode se destacar como um exemplo positivo", afirma. A TNC já observa no país uma movimentação grande de empresas e produtores de soja e outras culturas, para se adequar à legislação ambiental e trabalhista como primeiro passo para futuras certificações. Até porque a tendência, diz a coordenadora, é que os demais mercados consumidores, como a China, que ainda estão muito focados em garantir uma escala de abastecimento - devido à crescente demanda por alimentos - e outros países como Japão e México comecem a seguir o caminho do mercado europeu.
Segundo o Ministério da Agricultura, o mercado brasileiro da soja tem a perspectiva de crescimento internacional de 35% até 2020. Giovana ressalta, entretanto, que isso não significa que outras culturas não irão crescer também. "O Brasil ainda tem muita área para isso. O problema é que precisamos investir na recuperação de quase 140 milhões de hectares de pastagens degradadas (dado do prof. Aníbal Moraes da Universidade Federal do Paraná), tanto para fins agrícolas quanto para fins de restauração da vegetação nativa", declara. A coordenadora afirma ainda que, ao contrário do que muitos querem dar a entender, diversas culturas agrícolas e vegetação nativa podem coexistir, e o Brasil pode ser um modelo mundial de agricultura sustentável, desde que os brasileiros se esqueçam dos modelos de desenvolvimento pautados na degradação: "Não é necessário desmatar. Novas técnicas existem, só precisamos usá-las".
Giovana lembra que, há alguns anos, o brasileiro nem imaginaria ver prateleiras de supermercados forradas de produtos orgânicos certificados. Hoje, até o papel para talões de cheque e contas de luz é feito a partir de florestas plantadas certificadas pelo FSC (Forest Stewardship Council), cujo braço no Brasil é Conselho Brasileiro de Manejo Florestal, ou pelo Cerflor (Certificação Florestal). "Isso demonstra que o mercado interno brasileiro está se preocupando cada vez mais com uma origem sustentável dos produtos e, a meu ver, é só uma questão de tempo para chegarmos a níveis de conscientização como os da Alemanha, Holanda e outros países europeus", diz.
Nessa evolução, os organismos financeiros têm papel importante e podem ser molas propulsoras da melhoria socioambiental no campo. Ao exigirem o cumprimento de critérios ambientais e sociais na propriedade rural para a liberação de crédito, exercem uma pressão positiva e fundamental que influencia na melhor gestão dos recursos naturais e dos trabalhadores em toda a cadeia produtiva. A adequação da propriedade rural tem um custo, e os subsídios para que o produtor rural faça a sua parte devem ser dados de maneira facilitada, afinal, uma propriedade que administra bem seus recursos naturais e humanos, produz mais, melhor e por um período maior. E os programas de Boas Práticas Agrícolas e Certificações vêm para corroborar esse processo.
Giovana afirma que é também muito importante que informações referentes à origem dos produtos agrícolas e à importância de se consumir com responsabilidade cheguem a todos, pois é o consumidor final que mais pode influenciar a melhoria socioambiental de toda a cadeia produtiva agrícola e industrial. Porém, até mesmo para produtores rurais, ainda falta conhecimento em questões ambientais, o que gera a maioria das controvérsias. "Por essa razão, a mídia de massa tem papel primordial. Entretanto, é essencial também que a informação chegue de uma maneira mais pessoal e direta ao campo e é por isso que priorizamos eventos e publicações para produtores rurais", diz.
Quanto ao Novo Código Florestal, ainda a ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff, a TNC espera que as propriedades rurais sejam totalmente adequadas à Legislação Ambiental, principalmente no que se refere à Reserva Legal. "Entretanto, ao dialogarmos com produtores de todo o Brasil, percebemos que a maioria está bastante consciente da importância das Áreas de Preservação Permanente (matas ciliares) e sabe as consequências para os rios e mananciais do mau uso dessas áreas de proteção", afirma Giovana.
No caminho das boas práticas
Luis Fernando Guedes Pinto, do corpo técnico do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), também vê a sustentabilidade agrícola como um processo lento que depende de vários passos e instrumentos que vão de crédito à forma de produzir e comercializar, e implica em mudanças em toda a cadeia produtiva. "A soja e outros setores da agropecuária nacional acordaram para a questão da sustentabilidade como algo importante para a sua competitividade e visão de longo prazo, mas ainda estão em começo da mudança. Assim, ainda não temos como avaliar com exatidão a escala da sustentabilidade do setor", diz.
Para ele, a certificação é um dos instrumentos que devem levar a soja e outros setores ao caminho das boas práticas e da gestão da produção com conservação dos recursos naturais, e garantia de direitos e condições de trabalho dignas no campo: "Temos evidências de que isso tem ocorrido em setores como café, cacau e manejo florestal, mas estamos no começo".
Guedes Pinto lembra a Moratória da Soja, um pacto ambiental entre entidades representativas de produtores de soja no Brasil, ONGs e o governo federal prevendo a adoção de medidas contra o desmatamento da Amazônia. Ele acredita que a Moratória tem contribuído para aumentar o conhecimento público da relação entre a expansão do setor e o desmatamento do bioma amazônico, e sido realmente efetiva para diminuir o desmatamento pela expansão da cultura da soja naquele bioma. Porém, adverte que a Moratória não é uma solução definitiva: "É uma transição para uma realidade em que outros instrumentos (lei, certificação, crédito, etc.) deem conta da meta de frear o desmatamento pela expansão da fronteira agrícola em qualquer bioma".
Como Giovana Baggio de Bruns, da TNC, Guedes Pinto também aposta na comunicação de massa para divulgar os diversos pontos de vista sobre o assunto. Entretanto, também como ela, vê as limitações desse processo em que os grandes meios de comunicação não dão conta de mostrar a pluralidade de opiniões e soluções. Portanto, são necessários novos meios de comunicação de massa especializados e com maior transparência na disseminação das informações.
Outro sistema de controle socioambiental importante é o rastreamento dos produtos gerados pelas culturas como a da soja. Para Guedes Pinto, não é por questões tecnológicas que os mecanismos de rastreamento ainda não foram implantados para a maioria dos produtos de origem agropecuária, pois há formas de rastrear matérias-primas em toda a cadeia produtiva. O problema seria o custo, que muitos setores não querem ou não podem absorver. "Além disso, essa transparência nem sempre é do interesse do vendedor varejista ou atacadista, que não consegue garantir a origem do que compra", declara. "Ainda consumimos muitos produtos de origem ilegal ou predatória".
Em relação à soja, Guedes Pinto diz que as traders que compram e vendem a maior parte do grão produzido no Brasil poderiam garantir essa origem, se quisessem: "Algumas delas até têm suas marcas de óleo, que encontramos nos supermercados, mas, além da tecnologia, elas teriam que mudar seu relacionamento com os produtores e adotar novas políticas de compra, numa perspectiva de longo prazo e com responsabilidade compartilhada com o produtor".
Assim, apesar de não substituir as políticas públicas e a aplicação da lei que devem ser feitas pelo Estado, uma das melhores formas de promover mudanças socioambientais em setores produtivos ainda é a certificação correta: "A condução de um processo de certificação e auditoria tem uma ética e uma dinâmica que faz diferença no resultado e é um instrumento de estímulo e de uma agenda positiva", afirma Guedes.
Mecanismos financeiros
A publicação da TNC cita alguns mecanismos financeiros de apoio ao cultivo da soja no Brasil: do Rabobank International Brasil, do Banco do Brasil e da Corporação Financeira Internacional (International Finance Corporate - IFC).
O Rabobank, fundado há mais de 110 anos por produtores rurais holandeses e presente em 45 países, "incentiva a adoção de boas práticas agrícolas e de gestão ambiental que incluam a conservação da biodiversidade, do solo, da qualidade da água e do ar; o desenvolvimento de políticas sociais e ambientais para fornecedores de matérias-primas; o uso de procedimentos que garantam o bem-estar animal; e a mitigação da emissão de gases de efeito estufa".
O Banco do Brasil, principal financiador do agronegócio no país, aderiu à Moratória da Soja proposta por ONGs ambientalistas em 2006, pactuada com o governo e o setor produtivo: "O banco estabeleceu critérios de regularização ambiental das propriedades para a concessão de financiamento, também abrindo linhas de crédito para a recuperação de Reservas Legais (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APP), negando o financiamento para a produção de soja em áreas desmatadas. Neste cenário, a instituição passou a considerar quesitos exigidos na Moratória da Soja para a análise e concessão de crédito".
"A IFC, ligada ao Banco Mundial (World Bank), é uma instituição financeira que tem como missão a promoção do investimento sustentável do setor privado dos países em desenvolvimento, ajudando a reduzir a pobreza e a melhorar a vida das pessoas". Os projetos por ela financiados devem "ser implementados em um país em desenvolvimento membro da IFC; pertencer ao setor privado; ser tecnicamente seguros; apresentar boas perspectivas de lucratividade; beneficiar a economia local; e ser ambiental e socialmente saudáveis, atendendo aos padrões ambientais da IFC, bem como os padrões do país em que se inserem".
CAR - Cadastro Ambiental Rural, por Giovana Baggio de Bruns, coordenadora de conservação de terras privadas do Programa de Conservação da Mata Atlântica e Savanas Centrais da TNC
"O Cadastro Ambiental Rural é uma ferramenta que vem sendo implementada em vários estados e a TNC foi uma das líderes na sua implementação no Mato Grosso e no Pará. Na medida do sucesso que o cadastramento alcança, outros estados estão se interessando pela sua implementação. O CAR é discutido dentro do Novo Código Florestal e, se realmente for incluído como um instrumento essencial em Lei Federal, logo todos os estados brasileiros estarão implementando a ferramenta.
O CAR, primeiramente, auxilia na adequação da propriedade rural em relação à legislação ambiental, principalmente no que se refere à alocação de Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal.
Entretanto, a TNC estuda o desenvolvimento de outras ferramentas, não relacionadas ao CARGEO (que é o software que está por trás da ferramenta do CAR), para que o monitoramento da implantação de Boas Práticas Agrícolas seja possível.
A TNC lista em sua publicação os principais programas de Boas Práticas Agrícolas (ou BPAs), compromissos, acordos e esquemas de certificação socioambiental ligados à produção da soja:
Programas de Boas Práticas Agrícolas
Soja Plus – Programa de Gestão Econômica, Social e Ambiental da Soja Brasileira
Soja Mais Verde
Cargill 3S – Soluções para Suprimentos Sustentáveis
Código de Agricultura Sustentável Unilever (Sustainable Agriculture Code – SAC)
Programa Soja Livre – Embrapa
Agricultura Sustentável – Bunge
Iniciativa “Do Campo ao Mercado” - Instituto para o Agronegócio Sustentável (ARES) e Embrapa
Programa de Aplicação Responsável (PAR)
Programas de Boas Práticas Agrícolas Emater
Manual de Boas Práticas Agrícolas Socioambientais no Agronegócio – Rabobank
Syngenta – Projetos Socioambientais
Grupo André Maggi – Sustentabilidade
Fiagril – Projetos Socioambientais
Compromissos e Acordos
Critérios da Basiléia (Basel Criteria – BC)
Iniciativa Holandesa de Comércio Sustentável (Initiatief Duurzame Handel – IDH)
Moratória da Soja
Diretiva de Energia Renovável da União Europeia (EU–RED)
Esquemas de Certificação Socioambiental
Certificação RTRS – Associação Internacional de Soja Responsável / Mesa Redonda da Soja Responsável
Padrão ProTerra de Responsabilidade Social e Sustentabilidade Ambiental
Esquema de Certificação da Sustentabilidade da Câmara Argentina de Biocombustíveis para a União Europeia – (Carbio Sustainability Certification Scheme for EU – RED Compliance - CSCS)
Esquema Voluntário de Sustentabilidade de Biocombustíveis de Biomassa (Biomass Biofuels Sustainability Voluntary Scheme – 2BSvs)
Sistema de Segurança para Matérias-Primas para Alimentação Animal (Feed Materials Assurance Scheme - FEMAS)
Associação Argentina de Produtores de Plantio Direto – Aapresid / Agricultura Certificada (AC)
Federação Internacional de Movimentos da Agricultura Orgânica (International Federation of Organic Agriculture Movements – IFOAM)
Comércio Justo (Fairtrade)
IBD - Selo EcoSocial
Rede de Agricultura Sustentável Imaflora (RAS) / Sustainable Agriculture Network (SAN) – Selo Rainforest Alliance CertifiedTM
GlobalGAP - Global Good Agricultural Practices
Mesa Redonda dos Biocombustíveis Sustentáveis - Round Table on Sustainable Biofuels (RSB)
Sustentabilidade Internacional e Certificação do Carbono – International Sustainability and Carbon Certification (ISCC)
Acordo Técnico da Holanda – Netherlands Technical Agreement (NTA 8080)
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