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terça-feira, 12 de junho de 2012

Entrevista Edição 28 - Humberto Cabral

Humberto de Ramos Cabral é Engenheiro Florestal e Especialista em Gestão Industrial de Tecnologia da Madeira. Em 1988 fundou a Embafort que é uma empresa especializada no desenvolvimento de embalagens industriais de madeira. Cabral atua como conselheiro no IBPQ e na SPVS. Sempre atuando com espírito empreendedor e inovador, Cabral tem se destacado no cenário nacional e internacional por desenvolver produtos que respeitam os fatores socioambientais. Sua empresa já recebeu mais de 30 reconhecimentos por atuar de forma sustentável. Além das embalagens industriais de madeira, Cabral vem desenvolvendo, desde 2008, um novo projeto voltado para a construção de casas ecológicas em Wood Frame e teve este projeto aprovado pelo FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), em 2010. No fechamento dessa entrevista ainda nos comunicou que, em parceria com o TECPAR, terá também a certificação ISO 50.001 – Energia, sendo provavelmente a primeira empresa do setor a receber essa certificação no Brasil. Humberto Cabral falou com exclusividade para a revista GERAÇÃO SUSTENTÁVEL.
1. O seu projeto de negócio é considerado referência em inovação e sustentabilidade tanto em nível nacional como internacional. Como surgiu a ideia?

Com 23 anos fui estagiar como estudante de Engenharia Florestal no antigo Projeto Jari, em plena Selva Amazônica, entre o Amapá e o Pará. Naquela época, a partir de Belém, levava um dia de barco para chegar até lá. Era o ano de 1979, e a minha função era acompanhar as equipes de inventário Florestal pela selva, com o objetivo de prospectar o potencial de utilização das árvores e dos biomas. Tive a oportunidade de ver muitas maravilhas, como a floresta majestosa, onde provavelmente nenhum ser humano jamais tinha pisado, vi também uma onça preta que me encarou do outro lado de um pequeno córrego. Conheci cachoeiras fantásticas... Ficávamos semanas em plena selva, eu, que já era apaixonado pela natureza, encantei-me ainda mais.

Mas um lugar em especial me encantou, ao qual retornei quatro meses depois, caminhei pelas brumas da manhã no meio da mata e senti um grande mal-estar. Ao caminhar mais alguns metros, saí da mata e vi que tudo aquilo que tanto tinha amado fora derrubado pelos tratores D8. Apenas alguns metros da mata o ar estava seco, sofrido e doentio, uma área de uns cinco km2 estava sendo queimada, as labaredas alcançavam mais de 30 metros de altura, o barulho era ensurdecedor. Naquele momento, jurei que tudo o que fizesse na minha vida seria para proteger a natureza, mesmo sendo uma pessoa sem posse alguma, tinha me apoderado do que NÃO QUERIA. Sofri uma catarse, ou seja, a partir daquele dia sabia o que me dava sentido na vida, agora era saber como fazer isso ser realmente impactante para a natureza.

2. Quais foram os principais desafios enfrentados no início da empresa? Foi necessário criar uma demanda por essas novas embalagens industriais?

Depois do meu juramento, cheguei à conclusão de que faria diferença se fosse dono do meu nariz. Já nasci com essa vontade de ser empreendedor, assim ficava somente dois anos em cada empresa. Morei em vários estados do Brasil e nos Estados Unidos. Um ano após retornar ao Brasil, fui trabalhar em uma grande indústria de compensado e as sobras de produção e o material descartado sempre me encantaram, pois sabia que ali tinha potencial para fazer alguma coisa. Desenvolvi um projeto a fim de produzir embalagens com as sobras e os resíduos, o qual apresentei para o meu antigo patrão que é um “senhor empreendedor”. Na época, porém, o foco dele era outro. Como acreditei no meu projeto, comecei a trabalhar sozinho, com sobras das serrarias de madeira de reflorestamento e as fábricas de compensado... Assim nasceu a Embafort, em 1988.

A Equitel (Siemens), após dois anos de muita insistência, acreditou no meu projeto e começamos a desenvolvê-lo e produzir as embalagens. A inovação foi fundamental, pois alteramos toda a maneira como era feita a embalagem dentro da empresa, o resultado foi tão positivo que os nossos projetos se tornaram padrão no Brasil e no exterior. A maior resistência sempre era sobre o tipo de madeira, pois todos queriam madeiras nobres como Peroba, Cedro, Pinheiro ou, em último caso, Madeira de Lei. Essa sempre foi nossa recusa, pois a visão daquele fogo queima no meu cérebro até hoje.

O interessante foi reeducar as pessoas, explicando que a madeira de reflorestamento como Pinus e Eucalipto, mesmo com suas restrições, são vistos como ativos renováveis e, ao utilizarmos essas espécies, estamos protegendo as nossas florestas nativas.

3. A sua empresa produz embalagens industriais de madeira desenvolvidas com base em outras embalagens. Quais são seus principais clientes (setores) no Brasil e no exterior? Quais são as tendências desse segmento de embalagens?

A Visão da Empresa desde a sua fundação é “Reciclar o Presente e Preservar o Futuro”, não é só reciclar embalagens, mas também conceitos, pessoas, empresas etc.

No ápice da reciclagem, chegávamos a receber quase 30 carretas por dia de material das montadoras e de outros clientes. O que desenvolvemos foi uma integração do nosso Soft de Engenharia e Projetos com nosso Soft de ERP. Ao desmancharmos uma embalagem, alimentávamos com as bitolas disponíveis e o Soft de engenharia adaptava o projeto às bitolas disponíveis. Isso é tão inovador que até hoje somente nós possuímos esse soft de integração e adaptação entre esses dois sistemas, nessas metodologias chegamos a preservar 300 árvores adultas por dia. Esse projeto fez com que a London Business School nos considerasse Benchmarking Mundial na gestão ambiental no nosso setor.

A Indústria Automotiva e de Veículos Pesados e sua rede de fornecedores são o nosso carro chefe. Nossas embalagens, por meio através dos nossos clientes, chegam a mais de 100 países nos cinco continentes.
Vejo o futuro da embalagem como promissor, pois a grande tendência é que as indústrias sejam “Global Players”, como são as montadoras, elas produzem onde é mais viável economicamente e isso tem que ser transportado para todos os outros países. Para se ter ideia, embalamos peças ao equivalente de 50 mil veículos por ano.

4. A sua empresa desenvolve algum processo de monitoramento ou rastreabilidade das embalagens produzidas? É possível controlar quantas vezes uma embalagem foi reutilizada?

A Embafort foi a primeira empresa do seu setor no Brasil a ter ISO 9001, em 1998. Em 2004, fomos, para nossa surpresa, a primeira do setor no mundo a ter ISO 14.001 e, no ano seguinte, certificamos a OHSAS 18.001.

O interessante é que todas essas certificações e esses prêmios (mais de 30) vieram em função do meu juramento, o qual consistia em preservar a natureza. Em seguida, fundei a Embafort, utilizando material reciclado. Aprendi que não conseguiria preservar a natureza se não educasse as pessoas, por isso investimos muito em educação dos funcionários e em projetos sociais. Em 1994, com a mudança da moeda Cruzado para o Real, estávamos à beira de uma falência, assim aprendi que a empresa, para proteger a natureza, teria que ser socialmente justa, mas, em contrapartida gerar lucro, ou seja, até 1994 aprendi, na prática, o que hoje é tão falado “Triple Bottom Line”.

Em função das certificações, desenvolvemos boa rastreabilidade. Um dos projetos que desenvolvemos foi a criação de embalagens One Way, as quais foram utilizadas mais de 58 vezes e retornavam cinco a cada ciclo. A nossa empresa que a reestruturava e reenviava ao cliente.

5. O senhor sempre menciona em seus comentários a relação: passivo ambiental versus ativo econômico. Como funciona essa fórmula de sucesso?

Na realidade, o que comento é que “a maioria dos Passivos Ambientais são Ativos Econômicos”, ou seja, o “Resíduo é matéria-prima no lugar errado”, basta saber utilizá-lo para agregar valor. O que fizemos, e depois fomos copiados pelo mercado, foi transformar um “lixo” de embalagens de madeira em outras embalagens e, com isso, gerar recurso financeiro.

Já trabalhamos com muitos tipos de materiais para reciclagem e o que percebo, no Brasil, é que transformar um resíduo em matéria-prima não gera riqueza. O que gera valor é pegar essa matéria-prima e agregar mais alguns processos e produtos com um bom design, aliás, esse é um dos nossos segredos de sucesso.

6. Além de atuar com embalagens industriais, quais outros produtos e sua empresa vem desenvolvendo? Estrategicamente, quais as novas oportunidades de negócio?

Para poder inovar, precisamos saber quais são nossas expertises e ver o que podemos adicionar a elas. Dominamos os processos e suas interfases de Engenharia, Design, produção em Madeira e de logística, assim vimos que poderíamos desenvolver casas ecológicas também.

Em 2008, apresentamos à FINEP (www.finep.gov.br) um projeto de Casas Ecológicas em Wood Frame, e o nosso projeto de Subvenção (não reembolsável) foi aprovado. Em 2010, aprovamos mais um projeto de Subvenção da Finep das Casas Ecológicas em SIP (Structural Insulated Panel), que é um dos processos mais inovadores em sistema Construtivos no Mundo. Por ser autoportante, esse sistema dispensa vigas, pilares, lages, estrutura de telhado etc., e apesar de seu conforto térmico e acústico serem muito superiores ao sistema tradicional, pode ser utilizado para qualquer tipo de construção.

7. A sua empresa participará da Rio+20, apresentando um projeto voltado para a construção de casas ecológicas com o desenvolvimento de paredes autoestruturantes. Quais são os detalhes desse projeto? Conte-nos mais sobre esse novo desafio...

Somos o único projeto paranaense a ser classificado pela Finep para apresentarmos no Venture Capital da Rio+20. Entre centenas de concorrentes, doze projetos de todo o Brasil foram aprovados. A Rio+20 é, sem dúvida, um dos eventos mais importantes da década em termos ambientais e sociais, apresentaremos nosso projeto para investidores do mundo todo, colocaremos em exposição as nossas Tecnologias Sustentáveis de Construção e de Embalagens.

A nossa meta é ser uma montadora de moradias industrializadas, onde a casa sai pronta da fábrica, nos modelos que existem nos EUA e na Europa. Estamos construindo 15 unidades como projeto piloto, desenvolvidas com estruturas de telhados. Em breve aceleraremos a produção. A nossa meta é produzir 35 casas/dia dentro de três anos.

8. Além de trabalhar com produtos sustentáveis, a cultura da sustentabilidade também deve ser difundida entre os diferentes públicos que a empresa se relaciona, principalmente os colaboradores. Como ocorre esse processo de disseminação internamente?

Ao andar pela Embafort, fica clara a nossa opção pela sustentabilidade, pois o processo não fica restrito à empresa. Trabalhamos para internalizar na vida dos nossos colaboradores que aplicam com seus familiares e nos seus lares os mesmos conceitos, apesar de termos muitos projetos sociais junto à sociedade, a cultura da sustentabilidade é a que tem maior desempenho na avaliação feita na empresa.

9. Que mensagem final gostaria de deixar para os leitores da revista Geração Sustentável?

Em um congresso da AMPEI, escutei de um agente do Banco Mundial duas coisas que acredito muito:
a) primeiro ele falou que os modelos de fazer negócios mudaram radicalmente três vezes na história da humanidade e quem não estava preparado para isso faliu. A primeira mudança foi quando Ford introduziu a produção em série; a segunda foi a Informática. Sem esses dois modelos não seríamos o que somos; e o terceiro que está acontecendo agora é que os negócios precisam ser Ecologicamente Corretos, Socialmente Justos e Economicamente Viáveis, o famoso “Triple Bottom Line”, ou seja, devem gerar resultado ou não passar de uma ideia. Quem estiver fora desses padrões de exigência, logo é estarão fora;

b) a segunda coisa que ele falou e que concordo muito é que nós brasileiros somos muitos criativos, e isso é pura verdade, porém, sempre queremos redescobrir a roda e não desenvolver e inovar algo que está à nossa frente. Na minha concepção, inovar é fazer algo simples, mas significativo e que atenda as novas premissas de fazer negócio.


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Veja outros conteúdos dessa edição:

Matérias:
Tecnologia e Sustentabilidade: Energia solar: um sonho de consumo
Visão Sustentável: Software de gestão corporativa promove autossustentabilidade para empresas
Responsabilidade Social Corportativa: Responsabilidade empresarial com futuro
Desenvolvimento Local: A sustentabilidade como profissão

Artigos:
Marcio Zarpelon: Sustentabilidade na construção civil
Jeronimo Mendes: Aprendendo com a crise
Ivan de Melo Dutra: Subsídios do governo brasileiro
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