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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Energias Renováveis - Edição 34

Smart Grid: o controle nas mãos do consumidor

Controle do consumo de energia elétrica e venda de energia às concessionárias, essas são algumas das funcionalidades anunciadas com aplicação do conceito de Smart Grid, que promete revolucionar a distribuição de energia elétrica no Brasil

Jornalista: Alexsandro T. Ribeiro
Sistema desenvolvido pela AES Eletropaulo possibilita o controle e acompanhamento de consumo não apenas pelo medidor, mas também em ambiente virtual ou integração com dispositivos móveis

No campo da telefonia, tamanho foi o avanço tecnológico a ponto de Graham Bell, se vivo, ser incapaz de reconhecer os dispositivos celulares como uma evolução de sua principal criação, o mesmo não se pode dizer dos sistemas de distribuição de energia elétrica e seus idealizadores. No entanto, no Brasil, algumas pesquisas têm buscado a revolução das redes de distribuição com o uso do conceito de Smart Grid.

Já consolidado e com aplicação em prática na Europa, Japão e EUA, segundo Maria Tereza Vellano, Diretora de Tecnologia e Serviços da AES Eletropaulo, empresa paulista maior distribuidora de energia da América Latina, o Smart Grid caracteriza-se como uma nova forma de gerenciamento de redes elétricas. “O Smart Grid, por meio da tecnologia da automação e de telecomunicações, possibilita um fluxo de dados bidirecionais para monitorar e controlar os equipamentos instalados na rede elétrica e os medidores inteligentes instalados nas residências dos clientes”, afirma Maria Tereza. Num investimento de mais de R$ 70 milhões, a AES Eletropaulo pretende, até 2015, implantar em Barueri, região metropolitana de São Paulo, um projeto de Smart Grid que contemplará 60 mil clientes, beneficiando cerca de 250 mil habitantes.

Para o Gerente do Departamento de Eletrônica e Tecnologia da Informação do Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento do Paraná (Lactec), Carlos Ademar Purim, quando se fala no uso de redes inteligentes, deve-se focar na rede de distribuição de energia, uma vez que a geração, há anos, conta com total automação. “Não houve grande alavancagem na distribuição de energia elétrica. Do ponto de vista tecnológico, o setor continua sendo algo bastante conservador. Até agora, essa última etapa do caminho da energia, até a chegada ao consumidor, não tinha automação e monitoramento tecnológico algum. Estamos no século XXI e se o consumidor não ligar para a concessionária relatando a falta de energia, por exemplo, ela não fica sabendo”.

Centro de pesquisa independente, o Lactec é responsável pelo projeto de Smart Grid desenvolvido para a Light, empresa de energia elétrica no Rio de Janeiro. Segundo Purim, o projeto promete muito mais do que sanar o problema de comunicar a falta de energia. Por meio de um medidor inteligente instalado na residência do consumidor, este poderá ter informações instantâneas de seus gastos com energia elétrica, além de poder programar suas metas de consumo, e receber comunicados das concessionárias.

Furto de energia, o principal motivo do uso do Smart Grid no Brasil

Apesar de quase massivamente aplicado no gerenciamento de redes de energia elétrica, o conceito de redes inteligentes é muito mais amplo, sendo também empregado em redes de distribuição de água, gás e até na idealização de sistemas de comunicação de gestão energética em cidades consideradas modelos. Dessa forma, as prioridades e os diferentes focos da aplicação do Smart Grid, serão fundamentais para o desenvolvimento e a aplicação das tecnologias viabilizadas pela aplicabilidade do conceito de redes inteligentes.

Na Europa, por exemplo, as redes inteligentes estão, em sua maioria, vinculadas ao sistema 3x20, que, segundo o gerente do Departamento de Manutenção de Subestações e Automação da Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel), Júlio Omori, representaria o incremento de um total de 20% da matriz energética com geração renovável, a redução de 20% de emissão de CO², a partir da fonte de geração de energia, e a redução de 20% do consumo de energia com a adoção de soluções do ponto de vista da eficiência energética.

Mesmo com crescente preocupação com a questão ambiental e com a sustentabilidade, no Brasil, o vetor da transformação é outro. “O país tem uma incidência de furto de energia bastante elevada, e isso é um dos principais vetores da aplicação das redes inteligentes. Se houvesse a sincronização de todas as informações do consumidor até os pontos de geração de energia, você conseguiria mapear os pontos e as áreas em que há desvio de energia”, critica Omori.

Benefícios para os usuários e para as concessionárias

Embora a relação não seja direta entre o uso das redes inteligentes e a preservação ambiental, na opinião do professor do Departamento Acadêmico de Eletrotécnica da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Elói Rufato Junior, a aplicação do conceito de Smart Grid pode viabilizar significativos avanços ambientais, sobretudo em um panorama de âmbito nacional.

De acordo com Rufato, o Smart Grid possibilita economia na construção de fontes de energia de grande porte, responsáveis por grandes impactos ambientais, problemas de licenciamentos, e o risco de atingir comunidades, como as indígenas e quilombolas. Além disso, a substituição de grandes usinas por fontes de energias renováveis instaladas diretamente nos pontos de consumo possibilita uma série de benefícios. “O resultado está na economia na construção de sistemas elétricos de potência, no incentivo à indústria nacional para o desenvolvimento e a produção de equipamentos e sistemas para integrar as redes de Smart Grid”, aponta Rufato.

O controle de consumo com tarifa diferenciada também é um diferencial da aplicação do Smart Grid. De acordo com a Aneel, a partir de 2014, o consumidor poderá optar por um modelo de tarifa com preços diferenciados, dependendo da hora do dia. Dessa forma, a energia elétrica terá um preço maior nos horários de pico, das 18 às 21 horas, e custos diferenciados nos outros horários. No entanto, para que seja possível uma leitura específica de cada residência, há a necessidade da instalação de medidores inteligentes em cada ponto de consumo.

No projeto desenvolvido pelo Lactec para a Light, seriam dois aparelhos, um medidor, instalado no poste de energia, e um leitor, a ser alocado dentro da residência do consumidor. Com comunicação de curta distância, o leitor recebe e emite informações ao medidor, como a leitura parcial de consumo e as metas de gastos. Além disso, o dispositivo de leitura contém uma linha de iluminadores que indicará, para cada cor diferente, qual é o valor de tarifa energética que sobra para cada hora do dia.

Segundo Carlos Purim, isso será um benefício não apenas para o consumidor, mas para as geradoras também, uma vez que possibilita a melhor distribuição do consumo nos horários de pico. “Há um consumo elevado de energia no momento de pico, que normalmente é das 18 às 21 horas. Quando a concessionária faz um projeto de rede, ela deve considerar, com folga, o fluxo de energia desse horário de pico. Isso gera um gasto elevado para um curto período de tempo. Com a tarifa diferenciada, pode-se fazer um balanço, jogando parte do consumo de horário de pico para outras horas em que não há um consumo tão alto assim, o que refresca os gastos com investimentos na rede”.

Comunicação: a chave para as redes inteligentes

Para que a aplicação das redes inteligentes na distribuição da energia seja uma realidade, é preciso grandes investimentos em comunicação, elemento chave para o bom funcionamento do Smart Grid. Para Purim, há dois momentos do Smart Grid no Brasil. O primeiro é o das automações das gerações, como é o caso da Copel, no Paraná, cujas 400 subestações de distribuição são automatizadas. Num segundo momento, seria o da aplicação do conceito nas redes de baixa tensão até a residência, possível hoje pela redução de custos de comunicação no país.

Há dez anos, afirma Purim, uma comunicação de dados era muito cara. Após isso, deu-se uma queda dos custos, além do surgimento de tecnologias móveis, como o Zigbee, para comunicação de curta distância com baixíssimo consumo de energia. “Com essa possibilidade de levar comunicação, o universo do Smart Grid cresce muito, sobretudo na possibilidade de se monitorar muito mais do que a falta de energia e o balanço energético. Você pode trafegar, por exemplo, informações sobre cortes de energia para manutenção de redes. Isso permite que você veja no display do medidor as mensagens das concessionárias, ou ainda pode programar metas de consumo, traçando uma curva de tendência para saber se você conseguirá atingir a meta ou se vai extrapolá-la”.

Em tese, a comunicação utilizada nas redes inteligentes é realizada entre os medidores residenciais e um acumulador, alocado em um ponto próximo aos pontos de consumo, responsável por receber as informações e encaminhar à central de operação da concessionária.

Os medidores desenvolvidos pelo Lactec para a Light atuam em um sistema de comunicação de rede que trabalha na emissão de dados de curta distância de forma integrada com outros medidores, prevendo a possibilidade de ruídos na comunicação. “Se o concentrador, ponto em que precisamos encaminhar as mensagens, está fora do alcance do medidor, este se comunica com o medidor do vizinho ou com o mais próximo, que passará as informações para frente, trabalhando como uma malha de informações. Ou seja, os medidores se conversam, identificam-se automaticamente uns aos outros, atuando de forma roteada”, afirma Purim.
Medidores desenvolvidos pelo Lactec para a Light se comunicam de forma integrada, formando
uma rede que possibilita troca de informação entre os aparelhos

Microgeração para subsistência e comercialização de energia produzida em casa

Com a instalação de redes inteligentes, abre-se o caminho para o consumidor produzir a sua própria energia, com o objetivo de subsistência de sua residência, e, caso haja um excedente de produção, disponibilizar energia para a rede. Com isso, seria possível, por exemplo, a instalação de placas fotovoltaicas nas residências ou empresas, para captar a luz solar e transformá-la em energia elétrica, não apenas para consumo próprio, mas também para comercializar com a concessionária.

Regulamentado pela Aneel desde 2012, com a resolução 482, a minigeração trabalharia com uma sistemática de compensação, em que o consumidor poderá até zerar sua conta de energia elétrica. “Hoje, qualquer consumidor que queira instalar uma geração de pequeno porte para compensar sua conta de energia elétrica já é respaldado. As concessionárias do Brasil todo têm que encontrar soluções técnicas para que isso aconteça”, afirma Júlio Omori, da Copel.

Para que isso seja possível, há a necessidade da instalação de um medidor inteligente na residência para contabilizar entrada e saída. Além isso, a concessionária terá que adaptar a distribuição, prevendo um fluxo inverso de energia. “Alguns equipamentos precisam ser adaptados e algumas tecnologias precisam ser alteradas, pois isso gera, em alguns casos, um aumento de risco de operação do sistema”, comenta Omori.

Num primeiro momento, pode parecer que isso não seja interessante economicamente às geradoras de produção de energia distribuída. Porém, segundo Omori, isso não se caracterizará como um risco de negócio, ao contrário, ajudará todos os agentes do sistema elétricos, inclusive as geradoras, com a postergação de investimentos na ampliação da rede para comportar o crescente consumo.

Além disso, Omori aponta para o risco do iminente racionamento energético. “Temos grande dificuldade de recompor todo o quadro de geração de energia. Chegamos neste ano a uma situação bastante alarmante, com a religação, inclusive, de todas as termoelétricas possíveis, sobretudo aquelas mais sujas, que queimam óleo derivado do petróleo e carvão. Tiveram que ser ligadas porque o risco de se ter o racionamento é iminente”, alerta.

Para minimizar esse problema, toda e qualquer microgeração que, não apenas sustente o consumo próprio, mas disponibilize energia no sistema estará ajudando a mitigar o problema de um possível racionamento. “Como existe esse problema da previsão bastante realista da entrada dessa microgeração, imagino que não é algo que atrapalhará o mercado das grandes geradoras. Nunca vi uma situação com redução drástica de consumo de energia. Todas as grandes geradoras atuais já têm toda a sua energia vendida em grandes contratos. É um mercado bem estável, com um risco bastante pequeno, o que vai comprometer os futuros empreendimentos”, afirma Omori.

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Veja outros conteúdos dessa edição:


Matérias:

- Capa: Sustentabilidade além da matéria-prima
- Entrevista: Lourival dos Santos e Souza
- Visão Sustentável: Gesso reciclado vira fertilizante para agricultura
-  - Responsabilidade Social Corporativa: Educando na Sustentabilidade
- Desenvolvimento Local: Eficiência Energética no WTC

Artigos:
- Artigo: O sonho acabou? (Jerônimo Mendes)
- Artigo: Oportunidade e realização (Rafael Giuliano)
- Artigo: O mito do PIB (Daniel Thá)
- Artigo: Água: A crise e a inércia política global (Hugo Weber Jr)
  
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