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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Entrevista Edição 31 - Marina Silva



Jornalista: Letícia Ferreira
Entrevista publicada na Edição 31 da Revista Geração Sustentável

Uma revolução na maneira de os seres humanos verem o mundo, a vida, uns aos outros e a si mesmos é o que propõe como modelo de desenvolvimento sustentável para o Brasil e o mundo a ativista, ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora Marina Silva. Esse foi o tema da palestra que ela fez no Seminário Executivo de Sustentabilidade Empresarial, promovido pela Paraná Metrologia e pelo Tecpar, em dezembro, na Fesp (Faculdade de Educação Superior do Paraná), em Curitiba. Em entrevista exclusiva à Geração Sustentável, além de reafirmar esse posicionamento, disse estar se reunindo com várias lideranças para decidir se vai concorrer à presidência nas próximas eleições, acreditando na possibilidade de "desengessar" estruturas políticas enrijecidas.

Marina afirmou, durante a palestra, que se não mudarmos não apenas o padrão de produção e consumo, mas a visão do que cremos ser felicidade e prosperidade, não vamos sair da crise global, que acredita sem precedentes e a que chama de crise civilizatória. Lembrando o novo bordão ecológico, disse que o ainda tão almejado padrão dos americanos, japoneses e europeus não pode ser copiado pelos países em desenvolvimento, ainda que dentro das normas do desenvolvimento sustentável, pois o planeta não comportaria, e a mudança é urgente: "Vamos chegar em 2050 com nove bilhões de pessoas na Terra e não há como manter o padrão de produção e consumo de hoje, precisaríamos de cinco planetas".

A ex-ministra acredita que essa nova forma de ser, sentir e pensar gerará novas formas de conhecimento, novos produtos, materiais e empregos e, enfim, uma nova economia criativa. "Não há limites para ser mais solidário, criativo, erudito, mas há limites, sim, por exemplo, para cada um de nós termos um carro."

Para Marina, a base da crise civilizatória é uma crise de valores que separa a ética da política e a ecologia da economia. Entretanto, percebe que surge uma nova forma de ativismo, o autoral: "As pessoas não querem mais ser expectadoras, mas protagonistas: um protagonismo autoral que não pode descambar para o individualismo ou para a dualidade oposição - situação, mas para ter posição", afirmou.

Ela lembrou que não é errado ter interesse; todos têm, o problema é crer que o seu interesse deve prevalecer sobre o interesse do outro de forma ilegítima, pois há formas cada vez mais colaborativas em que interesses podem coexistir mediados pela ética.

Muito se fala do potencial de desenvolvimento sustentável do nosso país. Você acredita que corremos o risco de ficar só no potencial?
O risco é duplo - de ficar só potencial e de destruir o potencial -, e este talvez seja o mais grave. O Brasil é o país que reúne as melhores condições para sair do padrão de consumo elevadíssimo de recursos naturais. Já há muitas empresas e negócios, em todos os setores da economia brasileira, no caminho de competir respeitando as legislações trabalhista e ambiental, e promovendo qualidade tecnológica com base em pesquisa e inovação: é o aumento de produção por ganho de produtividade criando novos produtos, novos materiais, novas oportunidades. E existem aqueles que ainda estão presos ao final do século 19 e à economia predatória do século 20. Mas o mundo do século 21 será sustentável ou não será.

Você pode citar exemplos dessas empresas e negócios?
Costumo não citar porque não quero fazer propaganda, mas há empresas sérias que têm o desenvolvimento sustentável como um compromisso e uma visão estratégica, e não apenas um discurso, uma forma de propaganda. Temos três níveis: aquelas que resistem e se contrapõem a essa agenda, aquelas que preferem dourar a pílula como se fosse verde e aquelas que estão fazendo investimentos reais e se tornando referência de que boas práticas sem perda da competitividade são possíveis.

De modo geral, apesar de ser difícil generalizar num país tão grande e populoso como o Brasil, em que nível você colocaria o empresariado brasileiro?
Eu diria que temos uma parte pequena, de vanguarda, do empresariado que está fazendo seu dever de casa. E há uma maioria de espectadores observando para onde o pêndulo vai se movimentar que, infelizmente, pode estar interditando o que há de mais possibilitador nas condições do Brasil. Nosso país é uma potência ambiental e precisa sê-lo também pelas suas decisões políticas e pelos seus investimentos.

Você colocaria parte do poder público entre esses expectadores? Você já declarou que o governo é aquele que tem mais ferramentas e, portanto, pode mais e teria mais responsabilidade.
O governo tem muita responsabilidade. No decorrer dos anos, tivemos no Brasil uma agenda de avanços, em diferentes governos, graças a uma mobilização e uma consciência da sociedade que foi, paulatinamente, conquistando avanços na legislação ambiental e mesmo em sua implementação. Porém, nos últimos dois anos, tivemos um retrocesso muito grande porque, além de não se avançar, estão removendo as conquistas dos governos anteriores. Foi o que aconteceu com o Código Florestal, o que aconteceu quando retiraram as competências do Ibama para fiscalizar o desmatamento, e quando, por Medida Provisória, deram poderes à presidente para, por decreto, diminuir as áreas de preservação criadas nos governos anteriores. Eu poderia citar um rol de retrocessos que, infelizmente, trarão um custo muito pesado na realidade do Brasil em médio e longo prazos.

Você já mencionou também o poder do consumidor nas mudanças, porém, o que ainda se vê no Brasil é uma corrida consumista desordenada. Como se pode educar e motivar esse consumidor? E é nesse sentido que vai trabalhar o Instituto Marina Silva?
Isso é um paradoxo. Ao mesmo tempo em que as pessoas estão sensíveis aos problemas do planeta, parecem não conseguir perceber que é o consumo doentio e tóxico que está destruindo o planeta. Para dar uma ideia, um norte-americano emite uma quantidade de CO² equivalente a 25 chineses. Se o padrão desse americano for generalizado, não há planeta para supri-lo, e um modelo que não pode ser universalizado não pode ser defendido. O instituto está sendo iniciado agora e a ideia é trabalhar a educação e a mobilização para a sustentabilidade. Não educação formal, no entanto. O que queremos fazer é algo como o que você está fazendo, acredito, com seus leitores. Você está informando, é uma forma de educação. Ao mesmo tempo, queremos promover a mobilização, porque não basta a consciência. Já percebo que há uma receptividade muito grande, sobretudo nos jovens, crianças e adolescentes. Tenho um amigo que diz que a nossa geração lutou pela liberdade acreditando que, com ela, construiríamos o futuro que quiséssemos, e que os jovens, hoje, têm que usar essa liberdade conquistada para lutar para ter um futuro. Isso é dramático, mas realmente acredito na mutação possibilitadora. Há um grupo muito grande, no mundo todo, que começa a se deslocar da lógica do poder pelo poder, do dinheiro pelo dinheiro, e começa a criar uma nova superfície, o que, no meu entendimento, é essa mutação que vai acontecer na economia, nos negócios e na preferência das pessoas que precisam consumir.

Não podemos deixar de perguntar sobre suas intenções a respeito das eleições à presidência de 2014.
Estou conversando com uma série de pessoas, lideranças políticas, sociais, da academia, da juventude para me ajudar a tomar uma decisão quanto a como contribuo mais - no trabalho na sociedade ou dentro da política institucional. Essa decisão não é fácil para mim, mas não estou fazendo isso sozinha, e estou animada com o feedback que recebo deste Brasil em todos os lugares em que passo.

Você acredita que o fato de estar na presidência da República poderia engessar uma pessoa que traz propostas e alega ter valores como os seus?
Se você tem valores, ideais e propostas realmente vividos de forma legítima e comprometida, estes podem "desengessar" as estruturas que estão hoje engessadas.

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Veja outros conteúdos dessa edição:

Matérias:
- Capa: 2013: O ano da Logística Reversa
- Entrevista: Marina Silva
- Visão Sustentável: Cativa Natureza - beleza de forma sustentável
- Tecnologia e Sustentabilidade: Parana Metrologia - Da teoria para a prática
- Responsabilidade Social Corporativa: (Cpce Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial) Realização de 2012 e Projetos 2013
- Desenvolvimento Local: A sustentabilidade como inspiração (WTC)

Artigos:
- Artigo: O "Pibão" da Presidenta Dilma (Jerônimo Mendes)
- Artigo: O Marketing e o ciclo de vida sustentável de produto (Hugo Weber Jr)
- Artigo: Turismo Sustentável - Have you heard about it? (Rosimery de Fátima Oliveira)

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