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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Artigo: DE CÓDIGOS, FATOS E ACONTECIMENTOS

DE CÓDIGOS, FATOS E ACONTECIMENTOS.

Sempre tive em conta que as melhores crônicas são aquelas em que o autor é capaz de levar o enredo de um drama do dia-a-dia, por um caminho em consonância com um evento histórico maior e de modo minimalista – ou seja: contar sobre o flagrante de uma história pessoal dispersa no conteúdo humano, mas dentro de uma conjuntura que salta do episódico, ao coletivamente significativo. E tudo, em uma lauda, ou até menos. Eduardo Galeano é ótimo nisso, especialmente em O livro dos abraços .

De acordo com Emílio Gennari , as análises de conjuntura (fundamentais aos que pensam sistemicamente), trazem enquanto pré-requisito a distinção entre o que é um fato e o que é um acontecimento, coloquialmente tomados como sinônimos, porém não sendo bem assim.

Fatos, segundo Gennari, dizem respeito àquilo que é significativo, importante, a uma, ou a um grupo restrito de pessoas. Tomemos como exemplo a eventualidade de prejuízos causados a uma propriedade, devido à subida do nível d´água de um rio das proximidades. Entretanto, quando o fenômeno atinge toda uma comunidade e a enchente toma as proporções de calamidade, torna-se então um acontecimento. Mas, claro está que também, conforme quem seja a pessoa atingida pelo fato (uma celebridade, por exemplo), o mesmo pode vir ser a tratado como acontecimento pela mídia, correndo-se o risco de que não passe então de mero factóide, tendo em vista interesses políticos e/ou mercadológicos, por exemplo. Então, como se percebe, a distinção conceitual entre fato, factóide e acontecimento na realidade objetiva, não se dá a conhecer facilmente.

De 1º a 03 de junho deste ano, a cidade de São Paulo sediou a 4ª edição do Climate Leadership Grup/C-40, por meio do encontro de gestores das quarenta megalópolis que abrigam mais da metade da população mundial e que, em conjunto, respondem por mais de 80% das emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa. O escopo central da reunião, nas palavras de Michael Bloomberg, Prefeito de Nova York e Presidente da Rede C-40, foi o de “explorar e intercambiar novas idéias e iniciativas, e, também, discutir novas parcerias entre prefeitos e governadores para lidar com as mudanças climáticas e a promoção da sustentabilidade (...), um foco renovado no compartilhamento de boas práticas e na prestação de contas sobre nossas responsabilidades, enquanto trabalhamos para alcançar nossos objetivos comuns.”

No decorrer do encontro, “os prefeitos ambientalmente corretos, circularam pela cidade em carros elétricos e em ônibus abastecidos com biodiesel. Naqueles dias, um pulmão eletrônico instalado no Centro registrou que o número de partículas nocivas no ar foi três vezes maior que o tolerável. (...). Levaram quase meia hora para ir do Ibirapuera ao Jockey Club, um trajeto de 13 quilômetros – e estavam com batedores.” (FRAGA, 2011) . Então, vamos aos fatos (ou, seriam acontecimentos?).

Conforme Manso e Urbana (2011), em matéria veiculada em março do corrente ano,
A frota paulistana vai atingir neste mês a impressionante marca de 7 milhões de veículos. Segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), que recebe informações da Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp), janeiro já fechou com 6.973.958 de carros, motos, caminhões e ônibus. Os números de fevereiro ainda serão divulgados, mas, seguindo a evolução mensal dos emplacamentos, o último milhão está prestes a ser alcançado. O mais surpreendente é que, enquanto a cidade demorou oito anos para pular de 5 milhões para 6 milhões - de janeiro de 2000 a 2008 -, os 7 milhões serão batidos em apenas três anos. Com um detalhe: São Paulo tem 17 mil quilômetros de vias pavimentadas. Para-choque a para-choque, a frota atual formaria uma fila de 26 mil quilômetros de ruas e avenidas, quase duas vezes a distância de São Paulo até Cabul, no Afeganistão. Para efeito de comparação, na década de 1970 a capital registrava 965 mil veículos para número parecido de vias: 14mil quilômetros.

Dadas as evidências conjunturais, penso que nada há de errado nas contribuições de Gennari, o que não se pode dizer do modelo econômico pelo qual enveredamos e que vislumbra uma sensação de contradição, para dizer o mínimo, entre o discurso e a praxe. Supérfluo lembrar que o que se passa em São Paulo, não lhe é exclusivo. Curitiba, com uma população de aproximadamente 1.800.000 habitantes (IBGE, 2010), ostenta uma frota motorizada acima de 1.200.000 veículos, segundo posição dos cadastrados junto ao DETRAN, em junho de 2011 , com facilitações de mercado para crescimento do fluxo.

Então, entre fatos e acontecimentos, faltam novos Códigos Sociais que redefinam nossas concepções de qualidade de vida, desenvolvimento, sustentabilidade e demais termos que têm constituído o vocabulário dos que se dizem preocupados com a problemática sócio-ambiental. Os números há muito deixaram de ser apenas factóides ambientalistas – eles apontam para uma curva sob a qual nunca vivemos e que, por decorrência, não sei se teremos a competência necessária para, em tempo, reverter as tendências mais alarmistas.

Como nem de longe sou um Galeano, nem consegui dizer o que desejava em apenas uma lauda, não posso deixar de citá-lo em frase lapidar: “Tenho saudades de um país que ainda não existe no mapa.”


Por Gastão Octávio Franco da Luz.

Um comentário:

  1. Jucélia de Jesus Seixas
    Acho interessantes suas citações e sugestões que vão da literatura ficcional e/ou crônicas à análises mais específicas da realidade. Quando li o artigo, tive que pesquisar Emilio Gennari e Eduardo Galeano, conclusão, comecei a ler "O livro dos Abraços" e só parei à uma da manhã quando concluí sua leitura. Desta forma, fico aqui torcendo para que você continue ultrapassando os limites de espaço, pois seus leitores é quem saem ganhando. Até a próxima análise.

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