Foi publicado recentemente nos Estados Unidos um trabalho técnico patrocinado pela União Nacional dos Agricultores chamado "Fazendas aqui, florestas lá", mostrando as vantagens que os produtores rurais daquele país poderiam obter se houvesse a redução/eliminação do desmatamento nos países tropicais, como o Brasil.
O estudo, elaborado pela David Gardner & Associates, mostra que a Indonésia é o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa e o Brasil é o quarto, ambos por causa do desmatamento e depois da China e dos Estados Unidos (estes por outras razões).
O propósito central do estudo é mostrar que o pagamento pela preservação das florestas tropicais, deixando-as em pé, representaria um grande benefício para os agropecuaristas americanos e quantifica esta vantagem: se fosse possível reduzir o desmatamento tropical em 50% até 2020 e eliminá-lo completamente até 2030, o rendimento adicional para os produtores rurais dos Estados Unidos poderia chegar a US$ 270 bilhões.
Boa parte desse resultado seria obtida com a redução da concorrência provocada pelos eficientes produtores brasileiros de soja e carne bovina nas áreas desflorestadas. O aumento da renda dos americanos também viria com a economia dos fertilizantes e de energia, pela menor competição. O estudo mostra ainda o potencial do impacto anual para os cenários de redução do desmatamento, de 50% a 100%.
No caso da soja, para uma redução de 50%, o aumento anual da renda para os sojicultores americanos seria de até US$ 405 milhões (tendo como referência os valores de 2008), aumentado para até US$ 590 milhões na hipótese de desmatamento zero. Para as carnes, os valores poderiam chegar a US$ 1,9 bilhão com 50% e a US$ 2,3 bilhões com redução de 100% de desmatamento.
São números espetaculares que justificam o interesse dos produtores rurais dos Estados Unidos pela diminuição da concorrência com brasileiros e outros produtores de países tropicais.
Como a concorrência se daria pelo aumento da produção nesses países devido ao desmatamento, o trabalho propõe uma política climática que viabilize o pagamento pela manutenção da floresta tropical em pé. Essas ideias têm pelo menos duas interessantes vertentes para análise: por um lado, fica claro o interesse dos nossos concorrentes em evitar o crescimento de produção rural no Brasil e outros países tropicais, o que justifica ações de outra natureza contra o desmatamento nessas regiões.
Por outro lado, é muito bem-vinda a tese da remuneração pela floresta em pé, que também defendemos no Brasil. É curioso: o medo que os agricultores americanos têm de concorrer conosco os leva a propor o pagamento de floresta preservada...
E isso faz muito sentido: a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) e a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) acabam de publicar um importantíssimo estudo mostrando que durante os próximos dez anos o Brasil será de longe o país com maior crescimento da produção agrícola.
De acordo com o relatório, a expansão do agronegócio brasileiro será de 40% até 2019/2020, o dobro da média mundial, enquanto nos Estados Unidos (e também Canadá) o crescimento ficará entre 10% e 15%. Mesmo em países agrícolas fortes, como Rússia e Ucrânia, a expansão não chegará a 30% no período, enquanto na China será de 26%, e na Índia, de 21%; a Austrália não chega a 10%, e a União Europeia, só a 4%.
Portanto, estão certos os americanos em colocar as barbas de molho.
ROBERTO RODRIGUES, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp -Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula).
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