Desde 2008, tenho sido convidado para trabalhar junto a Projetos e Cursos de Pós-Graduação que, por iniciativas geralmente propiciadas por instituições privadas, suprem a necessidade de Formação de Formadores Rurais, em módulos que atendem às Práticas Pedagógicas de Educação do Campo. Com isso, além de tentar contribuir com a qualificação docente, tenho-me propiciado a realizar Estudos de Caso que, no mínimo, autorizam-me a algumas assertivas, em relação às minhas “andanças” nos Estados do Sul.
No mais das vezes, deparo-me com comunidades que, sob a égide da concentração e da centralidade, atendem às exigências de uma empresa que, comprometida com a monocultura, invariavelmente contribuem com a exaustão dos solos, a maxi-exploração de recursos hídricos, o uso e abuso de produtos químicos... e as decorrentes exclusões, desterritorializações, e demais insustentabilidades geradas pelo viés crescimentista, em detrimento de protocolos desenvolvimentistas. Nesses casos, pouco ou nada representam os saberes voltados às práticas pedagógicas da Educação do Campo, pois a praxe do dia a dia é a da sobrevivência e não a do Desenvolvimento Sustentável. Porém, há um mês, estive em um local que me descortinou uma realidade “utópica”, ao menos até hoje e dentro dos pressupostos de qualidade de vida. Refiro-me a Cruz Machado, cidade do Sudoeste do Paraná.
O Município chama a atenção por algumas variáveis que, salvo engano da literatura corrente sobre os ideais de vida com quantidade e qualidade suficientes, podem ser assim descritas: a) ausência de registros significativos em relação a atos de violência. A performance educada do cruz machadense, é destacável ao visitante; b) crianças e pessoas idosas em trânsito, o que sempre é um indicador de alguma segurança presumida, enfaticamente na Zona Urbana; c) não-utilização de agrotóxicos em escala, na produção agropecuária; d) 80% da população vivendo na Zona Rural, onde o cultivo do milho, do feijão e da erva-mate coexistem com a pecuária leiteira e a suinocultura, com base na Agricultura Familiar; e) salvo algumas manchas de Pinus elliotii (remanescentes de tentativas de monocultura crescimentista), biossistemas íntegros, com fauna e flora preservadas, onde se destaca exemplar concentração de Pinheiro-do-Paraná; f) sistema hídrico não comprometido, apresentando rios piscosos isentos de contaminações, o que favorece a Economia Limpa.
Em síntese: diante de tantas evidências de insustentabilidades socioambientais, penso haver encontrado e sido confiscado por um lugar onde as utopias são vivenciáveis. Empiricamente, atribuo o fato a quatro intervenientes sistêmicas em Cruz Machado, que talvez respondam pelo “fenômeno”: 1) a região é acidentada, não permitindo o latifúndio de maquinarias, tão ao gosto de Economia de Escala; 2) a conjugação entre qualidade do solo, clima e preservação ambiental, associados à mudança da cultura local em relação à Agropecuária, há duas gerações, como relatam os informantes locais; 3) o cultivo da erva-mate, planta exigente de bioassociações, de preservação ecossistêmica e tratamento não impactante, da produção ao beneficiamento e consumo; 4) ao decorrente cuidado com os sistemas de Valores Sociais de uma comunidade urbano-rural que encontrou seu ponto de equilíbrio para o bem-viver. Minha única dúvida é sobre o compartilhar dessas informações, pois não gostaria de vir a ser responsabilizado por uma “invasão ao paraíso”.
Gastão Octávio Franco da Luz - Biólogo, Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento e Consultor em Sustentabilidade.
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