Por Fernando Rebouças
Pesquisar diferentes espécies de aves de regiões florestais e polares é um trabalho árduo, principalmente, quando compreendemos as distâncias geográficas e a diversidade envolvida. Persistência e dedicação são valores sempre presentes nos trabalhos de Martin Sander, biólogo com especialização em Zoologia pela PUC-RS, com intensa dedicação em pesquisas na área da ornitologia. Nesta entrevista, o pesquisador relata sobre suas experiências e conhecimentos a respeito das aves da Antártida, um ecossistema ainda distante de nosso entendimento.
1 – Martin Sander, você é professor e pesquisador na Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos). De onde surgiu seu interesse pela biologia e zoologia?
O interesse pela natureza, surgiu desde a infância e em parte incentivado pelo meu pai. Ele amava os animais e sempre quando possível “acampava” com a família nos finais de semana na beira de um rio ou lago. Pelo caminho sempre observávamos algum animal. Depois, na escola este interesse foi sendo orientado pelos professores de ciências e biologia. Durante a Universidade, as atividades em campo para mim foram as melhores, pois naqueles momentos vivenciávamos a natureza em tempo real, com o envolvimento de professores comprometidos com o ensino e a pesquisa.
2 – Em sua universidade você percebe o mesmo interesse nos jovens estudantes?
Minha vida acadêmica, como professor, sempre foi em uma mesma instituição, mas participei como visitantes em muitas outras universidades no Brasil e outros países. Nestes trinta anos na área, dá para perceber que o perfil do aluno varia e que nem sempre é o mesmo. Mas de maneira geral, os alunos da área da biologia são pessoas com características próprias: gostam da natureza, animais e plantas, em especial para conservação das diversas formas de vida e do ambiente.
Os estudantes de hoje mantém estas mesmas características e encontram uma biologia ainda descritiva, mas acrescida de alta tecnologia, seja em equipamentos ou processos.
3 – Nos últimos anos, você tem exercido pesquisas sobre as aves da Antártida. Em 2003, você participou da Operação Antártica Brasileira XXII, qual o nível de pesquisa e monitoramento você e sua equipe de estudantes realizaram nessa operação?
Meu envolvimento com a Antártica iniciou no final da minha formação universitária. Quando comecei estudar aves de praia e marinhas, um dos meus professores, Dr. Helmut Sick, sabendo do meu interesse, escreveu em uma carta que deveria conhecer o lugar de origem destas aves, pois no nosso Estado a maioria era visitante ocasional.
Nossa atividade na Antártica se movimentou em temas, logo no início era mais de exploração e obter conhecimento da região; depois foi de atender questões internacionais com um grupo de especialistas de aves e estudar os movimentos das aves antárticas que atingiam a costa litorânea do Brasil. Tudo isto entre as décadas 80 e parte de 90. Em 2000 em diante as atividades foram centradas em monitoramento ambiental em especial na Baia do Almirantado, onde está a Estação Brasileira, e em comparar as variações populacionais de aves atuais com aqueles registros do passado.
Atualmente, eu não participo mais de atividade em campo na Antártica, mas continuo a atividade com fornecimento de dados, publicações, orientação de estudantes e palestras. Como temos mais de 20 mil aves marcadas com anéis especiais e a longevidade das aves nos pólos é grande, ainda recebemos informações destas aves que interagem e se dispersam pelos oceanos.
Acho que além dos estudos que estão sendo realizados atualmente, e em áreas já bem conhecidas, deveriam surgir novas tentativas de estudos e pesquisas em localidades pouco investigadas ou desconhecidas pelo homem na Antártica. Isto com certeza seria inovador.
4 – Sabemos que, além de pinguins, a Antártida apresenta outras espécies de aves como o biguá-antártico. Dentre as espécies que você estudou, quais você poderia destacar?
Na Antártica encontramos aves residentes e visitantes. As residentes são aquelas que fazem ninho e tem seus filhotes na região e as visitantes são aquelas que nidificam em outras áreas, mas aparecem eventualmente na Antártica, em especial nos verões quentes.
As aves que nidificam na Antártica ou residentes podem ser divididas em dois grupos: as que voam e aves que não voam. Os não voadores, são os pinguins e os voadores são pardelas, biguás, gaivotas, trinta-reis, gaivotas rapineiras e a pomba-antártica. Temos cerca de15 espécies de aves que nidificam na região Antártica.
Os maiores agrupamentos são dos pinguins que fazem ninhos em grandes conjuntos. Alguns agrupamentos ultrapassam as centenas e chegam a quase um milhão de individuas. Outros fazem ninhos isolados, como as gaivotas-rapineiras ou skuas.
Desta diversidade, duas espécies chamaram a minha atenção, o pardelão-gigante e a alma de mestre. Ambos atingem a costa do Brasil, em especial no nosso inverno, quando a Antártica fica coberta de neve e gelo. O pardelão é uma ave de grande porte com cerca de 2 metros de envergadura e a alma-de-mestre é pequena. O pardelão-gigante faz ninhos em elevações e forma agrupamentos e as almas-de-mestre nidificam entre as pedras, em tocas. Estas tocas muitas vezes ficam tapadas com neve e nas semanas de tempestade, isolando seus filhotes. Com verões com muito frio e neve, muitos filhotes morrem e permanecem por anos mumificados em suas tocas, pois a Antártica é muito seca e isto facilita a desidratação do corpo e consequentemente a sua preservação.
O que mais me chamou a atenção são a imensidão e a fragilidade do ecossistema. Baixa diversidade, mas uma relação extremamente intensa entre os organismos, em especial os terrestres. Quase todos dependem da produção da base da cadeia alimentar o pequeno camarão chamado de krill.
5 – Desde o dia 12 de setembro de 1983, o Brasil é membro consultivo do Tratado Antártico, na sua opinião, a presença brasileira no continente branco tem contribuído com as espécies de aves da região?
Já naquela época nosso trabalho participava do Grupo Internacional de Especialistas de Aves do SCAR. As contribuições eram em compartilhar dados técnicos obtidos em campo sobre a biologia e ecologia das espécies de interesse, além de participação ativa em eventos científicos e publicações de resultados em revistas de divulgação e científica.
O Brasil também se destaca em outras áreas temáticas da ciência na Antártica. Como temos influência direta, pois estamos perto geograficamente a Antártica, em especial nas questões climáticas e pela migração de aves da Antártica para o Brasil, existe a necessidade natural da nossa presença, além das questões de tecnologia e inovação. Temos motivos reais para participar do Tratado, pelas nossas questões naturais de relação.
6 – A Antártida está derretendo, a imagem que o mundo inteiro tem é a de pinguins passando fome e boiando em remotas ondas geladas. Qual a sua opinião a respeito do Aquecimento Global?
Esta afirmação não é bem correta. Algumas regiões da Antártica estão “derretendo”, mas em outras regiões da Antártica, a neve e gelo está aumentando. O problema para a as aves está no fato que se concentram na parte oeste da Antártica, região que está perdendo massas de gelo. Logo o ambiente nestas áreas está se alterando, lentamente e menos gelo ou congelamento dos oceanos, nos leva a menor produção de krill ... E partir daí qualquer vantagem ou desvantagem em uma teia alimentar sem muita opção nos leva ao problema de sobrevivência para algumas espécies. Na região oeste da Antártica em especial nas ilhas perto da península, se percebe que mudanças estão sendo registradas e em alguns casos ocorreu redução de aves e aumento de outras. Para manter o equilíbrio, as vantagens e desvantagens devem ser compensadas.
7 – O seu trabalho efetuado com as aves na Antártida produziu experiências para o trabalho com as nossas aves florestais no Brasil?
Diretamente com aves de florestas não, mas com aves de praia e as marinhas do Brasil existe relação verdadeira. Basta lembrar que aves do sul da América do Sul e Antártica atingem a nossa costa. Aqui se alimentam, interagem com as nossas espécies de aves e outros recursos naturais. Conhecer quais são as espécies, quantos e como interagem, quais as suas rotas, quando vem e quando voltam é tema de para conservação e até de segurança nacional, pois interação com recurso alimentar, seja na forma de consumo ou até de possibilidade de pandemias é muito importante para uma nação.
8 – Você também efetuou linha de pesquisa com aves florestais, relate essa experiência.
Minha formação se deu em parte com aves de floresta da Mata Atlântica. Aí aprendi a identificar, a fazer observações e marcações. Mas também em outros biomas do Brasil. O pampa, as praias e as imensas áreas úmidas. É importante ressaltar que aves praticamente ocorrem em qualquer parte do planeta e que o Brasil não é formado somente por florestas. Temos uma grande diversidade de formações e todas com as suas características. Somos ainda uma nação com muitas possibilidades de estudos e altamente carente em pesquisa e ensino ambiental.
9 – Além de exercer seus trabalhos acadêmicos, você escreveu sobre ciências para jornais e revistas. Qual temática esteve mais presente em seus textos?
Minhas publicações científicas na sua maioria foram sobre aves. Os temas abordados foram: alimentação, distribuição, população, ninhos, relações e conservação. Publiquei também na área de mamíferos com bugius e pinípedes além de outros temas.
Com finalidade de divulgação, meus temas sempre foram com aqueles divulgados em revistas especializadas, pois estas em geral são de difícil acesso, restritas a especialistas e muitas vezes em língua estrangeira. Portanto sempre achei que deveria também escrever de maneira menos complexa e mais simples para informar pessoas não especializadas das novidades e conhecimento da natureza. Alguns textos meus ou em parceria com colegas e ou jornalistas podem ser encontrados em revistas de divulgação, jornais de empresas, regionais ou nacionais. Até em revistas infantis como a Recreio, por exemplo.
10 – No Brasil, quando avaliamos a situação das aves endêmicas ou que majoritariamente vivem em nossos ecossistemas, na sua opinião, quais as principais ameaças que elas sofrem atualmente?
Todo animal endêmico tem limitações espaciais e de relação. Logo, qualquer alteração seja em espaço da sua distribuição ou de sua necessidade vital, são riscos para a espécie.
Como o uso ambiental pelo ser humano é intenso e efetuado de maneira desordenada e rápida, muitas espécies, não somente as aves são surpreendidas. Nosso conhecimento sobre natureza, diversidade e suas relações é mínimo e deveria ser anterior ao uso ambiental. Portanto, a situação é assustadora, em especial pela falta de conhecimento.
11- Você sente vontade de voltar para a Antártida? Qual a imagem mais inesquecível você tem do continente branco?
Não teria problemas em voltar a Antártica, mesmo em trabalho de campo ou até na posição mais cômoda em um belo navio de turismo. São regiões que devemos estar atentos às questões de logística, pois as condições ambientais são limitantes. Na realidade, a região continental não é para mim interessante em termos ornitológicos. Exceto aos pinguins Imperadores. Mas a parte da península, suas ilhas, região sub Antártica, essa sim esáa repleta de vida alada e outros.
O Continente branco é uma área “quase morta”. Estive somente uma vez acima do paralelo 70 ◦S, de imediato deu para sentir que as espécies se tornavam rara e as populações se reduziam.
12 – Envie seu recado final para seus leitores.
Todos são necessários na conservação da natureza e este papel também é de todos. A nossa qualidade de vida depende da relação harmônica entre o nosso viver e o ambiente. Não podemos valorizar uma espécie e destacar que nós humanos somos os mais importantes, mas sim respeitar todo e qualquer ser vivo. Bem como a água e o substrato, enfim, a Terra onde vivemos é nosso único lugar.
Os contatos do entrevistado:
sander@unisinos.br
Prof. Martin Sandersander@unisinos.br
Área Saúde
Unisinos * (http:www.unisinos.br)
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