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sábado, 15 de outubro de 2011

Os desafios e soluções para evitar a escassez da água

Iniciativas públicas e privadas investem em programas para reverter o problema

A vida depende da água para existir na Terra. Essa lição toda criança aprende na escola. No entanto, parece que o valor que cada um deveria dar a esse bem da humanidade não parece ter sido bem compreendido. Isso fica claro quando se vê o desperdício em simples atos como o escovar os dentes com torneiras ligadas. O elemento que está no cotidiano das pessoas deveria mesmo ser tratado como rara e preciosa jóia. Pode até parecer exagero, mas se cada um parar para analisar os números da disponibilidade da água pode começar a entender porque não apenas ambientalistas, mas empresários e gestores de todo o mundo passaram a soar o alarme da escassez da água e dos conseqüentes problemas ambientais e sociais. É a consciência sobre a proximidade de uma possível catástrofe anunciada que fez com que setores diferenciados, públicos e privados passassem a encarar o problema de frente e trazer soluções.

Cerca de 75% do Planeta é formado de água. Mas o que pode parecer muito, na realidade, é muito pouco. Afinal, 97% de toda a água do Planeta é salgada e apenas 3% serve para consumo. Conforme dados Agência Nacional de Águas (ANA), dessa parcela de água para consumo, pelo menos 68,9% estão em áreas de geleira ou neve permanente, 29,9% está depositada em áreas subterrâneas, 0,9% em pântanos e geleiras flutuantes e apenas 0,3% em rios e lagos. E é somente essa pequena fatia, realmente acessível ao homem para consumo, que fica dividida em 70% para a agricultura, 20% para as indústrias e 10% para o abastecimento público da população.

Para agravar a situação, observa-se que o consumo da água vem aumentando de forma desenfreada. De acordo com divulgação de órgãos especializados na pesquisa ambiental e consumo, no século XX, o consumo da água multiplicou-se por seis – duas vezes a taxa do crescimento demográfico mundial.

No entanto, o principal problema não é o aumento do consumo da água, mas principalmente o mau uso desse recurso natural. O ser humano, ao utilizar a água, na maioria das vezes, acaba destruindo e desperdiçando o precioso líquido. Na realidade, as principais causas da degradação ambiental são os padrões inadequados e insustentáveis de produção e consumo.

A agricultura fica com a maior parte da água para o consumo, mas o aumento de áreas agricultáveis e a contaminação de lençóis subterrâneos, pelo uso inadequado de agro-químicos, têm trazido prejuízos extremos. A indústria, que consome 20% da água disponível, também tem contribuído de forma negativa. Muitos processos industriais utilizam a água como matéria-prima ou como recursos para o resfriamento e limpeza de maquinário. O quadro fica ainda pior quando há lançamento de efluentes e resíduos industriais em rios sem tratamento adequado. Este procedimento tem trazido problemas às comunidades vizinhas, além de sérios impactos ambientais.

O consumo humano, pela rede pública, também apresenta suas dificuldades. Atualmente 1 bilhão de pessoas não tem acesso a água potável e em torno de 40% da população mundial não têm acesso a saneamento básico. Estes fatores aumentam diretamente os índices de contaminação e de doenças. O problema também não está apenas ligado ao aumento do consumo pelo crescimento da população, mas principalmente ao mau uso. É este fator que mais contribui para a redução da água disponível.

Hoje, 250 milhões de pessoas em 26 países sofrem escassez crônica de água, e prevê-se que em 2025 serão 3,5 bilhões de pessoas em 52 países nessa situação. Ou seja, à medida que a escassez da água avança, passa a ser uma questão de segurança e de defesa da Nação. A responsabilidade é ainda maior para os países considerados fontes hídricas – como o Brasil, que detém 53% da água doce da América Latina e 12% do total mundial. O que significa que é mais que uma obrigação cuidar e saber distribuir o que ao brasileiro pertence.


Do insustentável para a sustentabilidade

Depois de verificar esse cenário pavoroso, nada melhor do que saber que há muita gente trabalhando de forma exemplar para reverter essa situação. Em todo país, um dos programas de maior destaque é, sem dúvida, o Cultivando Água Boa, realizado pela Itaipu Binacional, reconhecido como a iniciativa ambiental mais completa do setor elétrico brasileiro e premiado internacionalmente.

Criado em 2003, o Cultivando Água Boa compreende hoje 21 programas e 64 ações em desenvolvimento na região de influência da usina de Itaipu – a Bacia Hidrográfica do Rio Paraná 3, com área de aproximadamente 8.000 km2 e mais de 1 milhão de habitantes, distribuídos em 28 municípios do oeste do Paraná mais Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul. O projeto se responsabiliza pela proteção das matas e da biodiversidade, e pela promoção da educação ambiental nas comunidades do entorno.

O projeto é definido pela equipe da Itaipu como um libelo de esperança para uma sociedade que vê os resultados do seu comportamento ameaçar a própria sobrevivência; que se vê diante de seus próprios limites e vulnerabilidades, e começa a reconhecer o quanto é interdependente. É uma resposta local à problemática global da mudança climática, do esgotamento de recursos naturais, deterioração e escassez de água e alimentos, fome, pobreza, exclusão social, poluição ambiental e desmatamento.
Para o diretor de Meio Ambiente da Itaipu Binacional, Nelton Miguel Friedrich, o Cultivando é um projeto de sucesso porque “trabalha de uma maneira sistêmica, ou seja, não trabalha apenas os aspectos ambientais, mas também atitudes e comportamentos, que por sua vez resultam em novas relações do homem com o seu meio, com suas formas de produzir e consumir. Nesse sentido, essa visão sistêmica fica expressa desde a adequação quanto à atuação por bacia hidrográfica quanto ao amplo processo do porquê fazer as ações ambientais e, a partir daí, efetivamente executá-las”, explica. Outra característica forte do Cultivando Água Boa é a conquista do envolvimento da sociedade do entorno da Itaipu. “O envolvimento da população é fundamental, porque não se transforma uma realidade ou um território sem agir com os atores que vivem e convivem nele”, analisa Friedrich.

Ele explica que o projeto conseguiu reunir atores sociais da Bacia Hidrográfica do Paraná 3, públicos, privados, a sociedade civil organizada, os empresários, as representações civis das mais diversas classes sociais e categorias profissionais, e também o meio acadêmico. “Assim, foi formando ao redor de cada tema , conforme as competências, as motivações e os interesses desses atores sociais os chamados comitês gestores. A partir desse momento, o efetivo planejamento e a efetiva condução dos programas e ações têm na sua governança a participação real da sociedade. Por isso se tornam legítimos e conseguem construir a sustentabilidade”, explica.

O Cultivando Água Boa ganha destaque na questão do investimento em educação e sensibilização da população para as questões ambientais. “Na verdade, no Cultivando Água Boa o processo se concentra principalmente na compreensão do porquê mudar, do porquê agir. Por exemplo, não se trata simplesmente de plantar uma árvore, mas compreender por que se deve plantar uma árvore. Então a sociedade, hoje, consegue interpretar a problemática global, como o aquecimento global e suas conseqüências, a problemática do próprio ser humano, a biodiversidade, a produtividade, as mudanças climáticas, e consegue conectar isso com os passivos ambientais e os modos de ser e produzir, enfim, a relação que a sociedade tem com o seu meio”, avalia o diretor de meio-ambiente.

“Nesse sentido, a educação que se faz tanto nas escolas como na microbacia junto à comunidade, se faz em todos os processos, seja na exposição de uma palestra, seja na própria ação. Por isso que é um processo de “educ-ação”, que, dentro do Cultivando Água Boa, já formou mais de 255 educadores ambientais – agentes que, por meio de um processo circular e de mandala, hoje já envolve perto de 3 mil pessoas na Bacia do Paraná 3, sem citar outros processos educativos do programa e apoios a projetos educacionais específicos nos mais diversos níveis, formais ou informais”, lembra Friedrich.

No final do mês de novembro, todos os participantes do programa Cultivando Água Boa encontram-se para um processo de avaliação, capacitação e planejamento das ações que irão acontecer no futuro. O Cultivando Água Boa está agora em seu quinto encontro, que é precedido por 29 pré-encontros que se realizam em cada município da Bacia do Paraná 3. “É um momento de reflexão, avaliação, correção de rumos quando necessário, reenergização, recapacitação, muita informação e, especialmente, de projeção do que virá a ser feito e de um grande pacto em torno disso”, conta o diretor.


Outorga da ANA

Uma forma que o governo federal encontrou para resolver problemas de distribuição da água pelo país, resolvendo problemas sócio-ambientais, foi utilizar a outorga de direito de uso da água. Esse é um dos principais instrumentos da política nacional de recursos hídricos, instituída pela nº Lei 9.433/97, por meio do qual o poder público autoriza o usuário de água, sob condições preestabelecidas, a utilizar ou realizar interferências hidráulicas nos recursos hídricos necessários à sua atividade, garantindo o direito de acesso a esses recursos e tendo em conta que a água é um bem de domínio público.

Os rios e lagos que banham mais de uma unidade da federação ou país e as águas armazenadas em reservatórios de propriedade federal são de domínio da União. Nestes casos, a outorga é emitida pela Agência Nacional de Águas (ANA). Os demais rios, lagos, reservatórios e as águas subterrâneas, são de domínio estadual ou distrital, sendo a outorga emitida pela respectiva autoridade outorgante.

A água pode ter diversas finalidades e esses usos podem ser concorrentes, gerando conflitos entre setores usuários ou mesmo impactos ambientais. “Neste sentido, é necessário gerir e regular os recursos hídricos, acomodando as demandas econômicas, sociais e ambientais por água em níveis sustentáveis, para permitir a convivência dos usos atuais e futuros da água sem conflitos”, explica o diretor-presidente da ANA, José Machado. Para ele, a outorga é fundamental já que é capaz de ordenar e regularizar o uso da água, bem como realizar o controle quantitativo e qualitativo dos usos desse o recurso.

É isso o que faz a ANA: regula o uso de um bem público: a água. A agência atua em diversas frentes, notadamente na realização de cadastro de usuários e na resolução de conflitos pelo uso da água em diversos pontos do País.
Machado cita alguns exemplos para mostrar a importância do trabalho realizado pela agência. Ele conta que havia um sério conflito pelo uso das águas da bacia do Rio Piracicaba entre a população da própria bacia (cerca de 4 milhões de habitantes) e a da Região Metropolitana de São Paulo (cerca de 18 milhões de habitantes). Parcela significativa do abastecimento da capital paulista é suprida com água da bacia do Rio Piracicaba, por meio do Sistema Cantareira (transposição de águas da bacia, por meio de reservatórios e túneis até a Região Metropolitana de São Paulo). Tal intervenção hidráulica na bacia era desprovida de critérios de uso da água que contemplassem as necessidades da população local.

A ANA então definiu critérios técnicos operacionais e de outorga e de estruturação de articulação institucional, envolvendo os órgãos gestores de recursos hídricos de São Paulo e de Minas Gerais (a bacia do Piracicaba tem suas nascentes no Estado), o Comitê da Bacia do Piracicaba e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). “Essa ação reguladora da agência ocorreu em 2004 e vem operando até hoje com eficiência e sem o surgimento de novos conflitos pela água”, afirma.
“Portanto, a outorga é um instrumento disciplinador, que busca o ordenamento dos usos e usuários de água dentro de uma bacia hidrográfica, de modo a evitar conflitos e a garantir o múltiplo uso das águas, sua acessibilidade, sustentabilidade e racionalidade”, explica Machado.


Paraná deve ganhar o IPAGUAS

A Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), responsável por levar água tratada aos lares do estado, pretende mudar a Lei de Recursos Hídricos do Estado. De acordo com informações da assessoria de imprensa da Companhia, estuda-se uma lei que extingue a Suderhsa, responsável pela gestão de recursos hídricos no Paraná, e propõe a criação do Instituto Paranaense das Águas – IPAGUAS - cujas funções, além das atribuições atuais da Suderhsa, atuará como órgão regulador e fiscalizador do Setor de Saneamento.
A Lei que criará o IPAGUAS também alterará alguns artigos da Lei Estadual nº12.726/99, sobre o Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Com relação a cobrança pelo uso da água no Estado do Paraná, estima-se que 5,5 milhões de reais/ano serão arrecadados pelo Comitê do Alto Iguaçu, Bacia que atende Curitiba e Região Metropolitana, recursos estes provenientes da Sanepar (aproximadamente 74% do total arrecadado na Bacia). Em todo Estado, estima-se a cobrança de 17 milhões de reais/ano da Sanepar. Com as mudanças, a Sanepar espera melhorar seus serviços de coleta e tratamento de esgoto, tratamento e distribuição da água, adequando a legislação à realidade do estado.

Além dos serviços básicos de saneamento, a companhia participa e investe em inúmeros projetos de recuperação de mata ciliar, gestão de resíduos, entre outras iniciativas que acabam resultando em benefícios para o abastecimento. Entre as principais obras da entidade, destacam-se as que estão sendo realizadas na área de saneamento com investimentos do Governo Federal, por meio do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). De acordo com a Sanepar, as obras têm beneficiado cerca de 15 mil famílias de ocupações irregulares em Curitiba, Piraquara, Pinhais, Colombo e Campo Magro. Um dos projetos contemplados com estes recursos é o do Jardim Guarituba, situado no município de Piraquara, onde está concentrada a maior ocupação irregular do Estado. Neste local está sendo implantado entre outros projetos, os serviços de saneamento (água e esgoto) e projetos sociais voltados a geração de renda.

Tarifa Social – A Sanepar também mantém o programa de Tarifa Social, que atende cerca de 1 milhão e 280 mil pessoas em todo o Estado, o que representa R$ 57 milhões ao ano. Os beneficiados pagam uma tarifa fixa de R$ 5,00 para água e R$ 2,50 para o esgoto. São beneficiados clientes que residem em imóveis com até 70 metros quadrados, com consumo mensal de água de até 10 m3 e cuja renda da família residente no imóvel é de até meio salário mínimo por pessoa ou de, no máximo, dois salários mínimos por família, vigente na data de solicitação do benefício.

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Fonte: Matéria publicada originalmente da revista Geração Sustentável
Jornalista: Juliana Sartori

Acesse aqui a versão digital (page-flip) dessa matéria

Entrevista: LoïC Fauchon (Presidente do CMA - Conselho Mundial da água)

Artigo: Cleverson Andreolli - O Papel do Estado na gestão dos recursos hídricos.

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