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quarta-feira, 11 de maio de 2011

Artigo: Quando o patrimônio natural vira moeda de troca

Quando o patrimônio natural vira moeda de troca

Fossemos um pouco mais maduros, portanto mais responsáveis e conscientes do real significado das flexibilizações do Código Florestal Brasileiro, desesperadamente pretendidas pelo setor ruralista, não estaria sendo admitida esta barganha medíocre que ocorre neste momento no Congresso Nacional. O ardiloso esforço, milimetricamente calculado, que pretende gerar profundas alterações na legislação que trata da conservação de áreas naturais nas propriedades privadas não é e não pode ser o ponto de partida de nenhum tipo de negociação. Justamente o que o Governo Federal optou por fazer, admitindo como estratégia perder o menos possível numa investida que representa nada mais do que retrocesso e prejuízo para toda a sociedade. Esta condição já é indesejável por origem.

Vivemos uma situação de julgamento em causa própria, cujos atores principais abusam de excentricidades e inconsistências com a realidade, já sabedores da expectativa de obtenção de um resultado intermediário - este, na verdade, o originalmente pretendido. Não esperemos demonstração de contentamento dos ruralistas, sejam quais forem as eventuais conquistas que venham a conseguir, mesmo que não definitivas. Avanços representarão simplesmente um sinal verde para a continuidade de um comportamento histórico de desrespeito às Leis e de novas investidas para manterem-se sublimados, acima dos interesses maiores da sociedade.

O conhecimento científico disponível não permite mais dúvidas sobre os impactos gigantescos causados pela contínua degradação da natureza causada pela utilização irresponsável do nosso Patrimônio Natural. E de quanto pagamos por toda esta destruição silenciosa, diária, e que, como um câncer, desafia de morte o organismo em que está instalado. Ao invés de tentarmos enumerar as várias armadilhas incrustadas no texto que defende as mudanças no Código Florestal, que abrem brechas para malandragens que o Governo Federal tenta minimizar, devemos seguir um caminho inverso. É preciso repudiar a manipulação explícita que está ocorrendo com o povo brasileiro.

Ao invés de uma negociação pressionada pela busca oportunista e politiqueira de soluções imediatas e sem lastro científico, a legislação que regra a proteção e o uso de nossas áreas naturais no Brasil deve ser submetida a um processo mais virtuoso, sem retrocessos. E reconhecendo o valor de áreas bem conservadas em propriedades particulares, gerando instrumentos de remuneração por esforços conservacionistas, diversificando a renda de agricultores e garantindo as atividades rurais a longo prazo.

Seja qual for o desdobramento dos próximos dias, uma questão ficou amplamente esclarecida para todos nós: o ruralismo tem bastante poder, pensa exclusivamente nos seus interesses, usa de informações distorcidas e mentirosas para impor suas posições, impede o pronunciamento contrário a suas verdades, como no caso de especialistas de instituições públicas atreladas politicamente ao agronegócio - situação da Embrapa - e pouco se importa com as conseqüências advindas de suas atividades, que excedem os limites que a natureza permite assimilar sem gerar prejuízos coletivos, perda na qualidade de vida e o comprometimento de sua própria atividade em futuro próximo.

O Brasil merece muito mais do que o que estamos presenciando. Temos conhecimento suficiente para criar um novo modelo que compatibilize atividades agrícolas essenciais ao desenvolvimento econômico com a ciência que ampara a conservação de áreas naturais e sua função indissociável no processo produtivo. A arrogância que se impõe, contrariando as regras da natureza, é um encaminhamento muito pobre e arriscado, que já teve seu espaço no passado. Seguir nesta linha nos levará novamente à triste condição de país atrasado, agrário-exportador e, principalmente, pobre em qualidade de vida para toda a sociedade. Qualidade que só a conservação da biodiversidade e de seus serviços essenciais à vida pode assegurar.

Clóvis Borges é diretor-executivo da ONG curitibana Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).

Fonte: Teresa Urban é jornalista e ambientalista.

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