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quinta-feira, 3 de março de 2011

Mais do que documentos devotados à transparência, os balanços sociais tendem a se transformar em poderosos instrumentos de melhoria da gestão

Quem costuma analisar balanços sociais de empresas brasileiras, aqueles livros grossos, cheios de fotos de crianças sorridentes beneficiadas por projetos sociais e de funcionários simpáticos sentados em salas de aula ou num refeitório amplo, pode estranhar um pouco o relatório da Natura, a maior empresa nacional de cosméticos, com faturamento de 531 milhões de dólares no ano passado. Ele não é muito extenso. Nem tem muitas fotos. Seu forte é a informação. Em suas 67 páginas, é possível saber, por exemplo, que a Natura destinou, em 2000, 2,2 milhões de reais para projetos sociais e patrocínios, quase o dobro do ano anterior. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos também cresceram. Já o consumo de água em sua linha de produção, graças a melhorias no processo de lavagem de equipamentos da fábrica, diminuiu 37%.

O balanço social da empresa também traz informações menos reluzentes: o absenteísmo dos funcionários cresceu um pouco de 1999 para 2000. O número de acidentes de trabalho seguidos de afastamento, também - de sete para 13. Além disso, os resultados obtidos pela empresa na pesquisa dos indicadores Ethos de Responsabilidade Social mostraram que a Natura está acima da média das empresas pesquisadas em questões como relacionamento com público interno, fornecedores e comunidade, mas não tão bem posicionada quando o assunto é meio ambiente. Ao elaborar o documento com esse nível de detalhamento, a Natura estava perseguindo um dos valores mais caros às empresas socialmente responsáveis: a transparência. "Não queríamos criar mais uma peça de marketing que falasse de filantropia", diz Rodolfo Gutilla, gerente de assuntos corporativos da Natura.

Após analisar detalhadamente 20 relatórios sociais de corporações, os executivos da empresa decidiram elaborar e publicar o primeiro balanço social brasileiro, desenvolvido de acordo com as normas do Global Reporting Initiative, o GRI. (Atualmente, cerca de 250 empresas publicam relatórios e balanços sociais no Brasil.) Entidade internacional com sede em Boston, nos Estados Unidos, o GRI elaborou um modelo de relatório baseado no conceito de sustentabilidade - harmonia entre os aspectos econômicos, ambientais e sociais de um negócio. O GRI também serviu de inspiração para o primeiro Guia de Elaboração de Relatório e Balanço Anual de Responsabilidade Social Empresarial do Instituto Ethos de Responsabilidade Social, lançado em meados deste ano.

"As empresas precisam de um padrão global de balanço social pelo simples fato de que os negócios estão se internacionalizando", diz o americano Allen White, diretor do GRI. "Assim, as informações relativas às corporações ficarão muito acessíveis, consistentes e fáceis de comparar." Assim como a Natura, a direção do Ethos se interessou pelo modelo do GRI por acreditar na tendência mundial de que os balanços sociais devem mostrar mais do que os projetos sociais e comunitários. Eles podem se transformar em poderosos instrumentos de melhoria de gestão e de captação de recursos, com investidores cada vez mais exigentes. "A atuação na comunidade é só uma perna da responsabilidade corporativa", diz Sérgio Esteves, diretor da AMCE, consultoria especializada em sustentabilidade empresarial. Esteves ajudou a Natura a coletar os dados necessários para montar seu balanço nos moldes do GRI - no total, a empresa precisou coletar 95 indicadores econômicos, sociais e ambientais. "O conceito é mais amplo", diz ele. "Envolve adicionar valores para os diferentes públicos com quem ela se relaciona e gerenciar os impactos provocados por suas estratégias."

Ao criar um manual para elaboração de um balanço social nos moldes da GRI - e de outras entidades como o Institute of Social and Ethical Accountability e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, o Ibase -, o Ethos pretende iniciar um movimento para que as empresas sejam mais transparentes na divulgação das informações sobre sua gestão. Fazer isso exige compromisso com a verdade, por menos bonita que ela seja. A Natura poderia ter optado por elaborar da maneira que bem quisesse o seu balanço. Com o conceito da diversidade no ambiente corporativo tão em alta, poderia ter omitido informações como a de que, embora possua 46% da sua gerência composta por mulheres, os cargos de direção são todos ocupados por homens. "Botamos a cara para bater e não dá para fazer isso pela metade", diz Gutilla. "O próximo passo é trabalhar pela melhoria dos indicadores que não estão muito bem na foto."

Transparência não é a única mudança que os gestores do Ethos pretendem impulsionar ao sugerir que as empresas adotem o manual na elaboração de seus balanços. O modelo possibilitaria comparações entre os desempenhos - algo parecido com o que já acontece com os balanços financeiros e contábeis. Organizações que estivessem com um desempenho muito aquém da média de seus setores poderiam, assim, buscar melhores práticas. Hoje, a Natura faz parte do time de 30 grandes corporações internacionais - entre elas Basf, Ford, Procter & Gamble e Bayer - que, ao adotar o GRI, se comprometeram a dar retorno constante a seus parceiros de grupo para que eles possam realizar mudanças e melhorias. A adoção do quesito governança corporativa, que não é abordado no modelo, já está na pauta de sugestões da Natura. Estima-se que cerca de 250 empresas espalhadas pelo mundo já adotem as diretrizes do GRI. "Hoje sabemos a quantidade liberada pela Natura de gases causadores do efeito estufa", diz Gutilla.

"Ainda não é possível dizer se isso é muito ou pouco. Isso só será possível dentro de algum tempo, quando passarmos a comparar nossos números com o de outras empresas do setor de cosméticos."

No Brasil, é difícil - quase impossível - usar os relatórios sociais divulgados pelas empresas para estabelecer parâmetros entre elas. "Os modelos são os mais díspares possíveis", diz Guttila. "Sem falar dos balanços do tipo blablabl", diz Ciro Torres, sociólogo coordenador do projeto de balanço social das empresas do Ibase. De acordo com White, do GRI, maior uniformidade permitiria também que esses documentos fossem usados com subsídios verossímeis para os mais diferentes públicos: investidores em busca de indicadores ambientais para mensurar riscos, membros do governo dispostos a conseguir parceiros para estabelecer políticas públicas, ativistas de ONGs e pessoas da comunidade.

O caminho rumo a uma maior padronização nos relatórios sociais das empresas brasileiras - um processo ainda em desenvolvimento em todo o mundo - saiu do marco zero em 1997. Naquele ano, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, lançou uma campanha propondo a adoção de um modelo e a sua publicação por parte do mundo corporativo. Hoje, cerca de 70 companhias brasileiras publicam dados como valores investidos em creches, alimentação, capacitação e desenvolvimento de funcionários e participação deles nos lucros. O relatório sugerido por Betinho, conhecido como modelo do Ibase, ajuda, mas não é suficiente para delinear o impacto social, econômico e ambiental das atividades das empresas. "O modelo do Betinho é quantitativo", diz Torres, do Ibase. "Ele não é excludente, mas pode ser incrementado com outras informações." Esse raciocínio foi levado em conta pelo Ethos, que no seu manual sugere a publicação do modelo do instituto.

"Não poderíamos jogar fora todos os avanços que foram conquistados ao longo de anos", diz Valdemar de Oliveira Neto, superintendente do Ethos. "Mas podemos seguir em frente." Segundo Esteves, da AMCE, o importante é que as empresas despertem para a necessidade de estruturar suas informações. "Comparo os modelos de balanços aos vários cômodos de uma casa", diz ele. "Há quem se sinta confortável elaborando um relatório complexo como o do GRI ou o do Ethos e outros que ainda estão pensando em usar o modelo do Ibase. Todos eles, de alguma forma, são válidos."



Fonte: Ana Luiza Herzog

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