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domingo, 20 de fevereiro de 2011

Plástico: Lixo que vira papel

Universidades brasileiras desenvolvem tecnologias para obter matéria-prima a partir de resíduos como plástico e bituca de cigarro

Para produzir mil quilos de papel, segundo especialistas, são necessárias 30 árvores ou 700 toneladas de plástico encontrado no lixo. Isso mesmo, 700 toneladas de plástico reciclado. Uma descoberta feita por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) mostrou que já é possível produzir papel com embalagens de garrafas de água, potes de alimentos e embalagens de material de limpeza. Trata-se do papel sintético ou ecológico -material com aparência bem próxima a do papel couché - que evita, além da derrubada de árvores, o desperdício de água, energia e o uso de produtos tóxicos e poluentes, utilizados na fabricação do papel a partir da celulose.
A pesquisa iniciou em 1995 sob o comando da professora doutora em engenharia de materiais, Sati Manrich. ”A ideia inicial era desenvolver um produto com alto valor agregado e útil a sociedade. Desde os estudos preliminares até a patente, foram quase 10 anos de trabalho”, explica. A tecnologia, que contou com a parceria da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), foi testada na planta piloto da Vitopel, fabricante de filmes flexíveis do interior de São Paulo, e encontra-se em fase de licenciamento.

Produção
A produção em larga escala não necessita de ajustes: utiliza-se o mesmo maquinário usado para produzir o filme plástico, que pode ser encontrado nos rótulos das embalagens de biscoitos, salgadinhos e na indústria gráfica. No processo de fabricação do papel sintético, o plástico é triturado e misturado a várias sustâncias. Em seguida, vai para uma máquina onde é submetido a altas temperaturas. Depois de derretido, é resfriado e novamente picotado. O processo termina em um outro equipamento que funde os grãos para chegar ao produto final. Apesar de o levantamento de custo de produção ainda não ter sido feito, a professora responsável pelo projeto acredita que eles fiquem num patamar competitivo com o do papel que vem da celulose. “Assim como qualquer produto novo, no início, acredito que será um pouco mais caro. Contudo, assim que a produção aumentar, os custos diminuirão”, argumenta.

Aplicação
Se comparado ao papel feito com celulose, o material apresenta maior resistência mecânica e à água. Por isso, é indicado para produzir rótulos de garrafas, outdoors, tabuleiros de jogos, etiquetas e cédulas de dinheiro. “Livros e cadernos escolares também podem ser produzidos com o método, uma vez que a película aceita bem a tinta de canetas esferográficas e tem durabilidade maior”, diz Sati.

Da bituca de cigarro
Também da sala de aula vem outro exemplo de reaproveitamento de resíduo que poderia estar no lixo. Sob a orientação da professora Thérèse Hofmann, do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB), e de Paulo Suarez, professor do Departamento de Química, o aluno Marco Antônio Barbosa Duarte fez da bituca de cigarro matéria-prima para produzir papel.
Ao utilizar a bituca para uma fabricação “limpa”, o projeto de Duarte resulta em um produto interessante. Além de resolver um problema ambiental, alerta para a existência de um resíduo que é resultado de um consumo que prejudica a saúde humana. Afinal, o tabaco, em vez de alimentar um vício, pode ser um substituto da celulose.
“Ele questionou se era possível fazer algo com este resíduo tão presente no campus. A hipótese do papel foi a primeira a ser levantada. Visitamos as fábricas dos principais produtores de cigarro e fizemos extensa pesquisa bibliográfica”, explica Thérèse. De acordo com a metodologia desenvolvida, filtro e tabaco fornecem as fibras que dão origem ao papel e as cinzas servem de base no processo cujo rendimento é de quase 100%. Em 2003, a patente do processo foi registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). “O resultado dessa pesquisa comprova que, praticamente, nada pode ser chamado de lixo”, diz a professora que registrou também a patente de reciclagem de papel-moeda - dinheiro descartado pelo Banco Central.
Na disciplina Materiais em Artes, Thérèse costuma propor que os alunos produzam todos os materiais utilizados como giz-de-cera, pincel, giz pastel, tintas óleo e acrílica, nanquim, carvão, guache, aquarela e papel. Ela desenvolve, também, projetos de capacitação de cooperativas de catadores e faz parte do projeto Reciclando Papéis e Vidas que, em parceria com a Associação Brasileira Técnica de Celulose (ABTCP) e Votorantim, faz a capacitação de ex-presidiários na produção artesanal de papel e seus artefatos em Tremembé (SP).


Reciclagem de papel
Os brasileiros consumiram, em 2008, 9,1 milhões de toneladas de papel. Desse total, cerca de 3,7 milhões foram reciclados. Na visão de Pedro Vilas Boas, estatístico da Associação Brasileira de Papel e Celulose (Bracelpa), o número pode ser considerado positivo. “A indústria da reciclagem de papel é um setor amadurecido no país, principalmente nas regiões Sudeste e Sul”, diz. Prova disso, foi a taxa de recuperação de papéis recicláveis em 2007, que alcançou 45% do consumo aparente (soma da produção nacional de papel com a importação, menos exportação) e superou países como Finlândia – 43,7%, China – 37,9%, Rússia – 32,8% e Índia – 28,1%.

O setor de papel e celulose também apresenta avanços no caminho para a sustentabilidade. Afonso Moura, gerente técnico da Associação Brasileira Técnica de Celulose (ABTCP), explica que o Brasil é pioneiro no uso de florestas plantadas como principal matéria-prima para a produção de celulose e papel. “A base florestal do setor é de 1,7 milhão de hectares com o plantio de pinus e eucalipto, e 90% é certificada”, diz. Segundo Moura, as empresas do setor recuperam e preservam outros 2,7 milhões de hectares de áreas naturais que abrangem a totalidade das áreas de preservação permanente e de reserva legal. “Além disso, estamos evoluindo cada vez mais para o uso racional de energia e água, minimização dos efluentes, recomposição do meio ambiente e projetos sociais”, completa.

Matéria publicada na edição 12 da revista Geração Sustentável

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