Ladislau Dowbor é Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e da UMESP. Consultor de diversas agências das Nações Unidas. Autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social”, “O Mosaico Partido”, pela editora Vozes, além de “O que Acontece com o Trabalho?” (Ed. Senac) e co-organizador da coletânea “Economia Social no Brasil“ (Ed. Senac)
http://dowbor.org/
Não há dúvidas sobre o aquecimento global, nem sobre o peso das atividades humanas na sua geração. No entanto, depois de dois anos de uma gigantesca campanha de mídia, envolvendo também a criação de ONGs fajutas e de movimentos aparentemente “grass-root”, portanto “espontâneas e comunitárias”, e sobre tudo listagens de cientistas “céticos” visando dar impressão de “quantidade”, temos resultados, e para os grupos do petróleo, do carvão e semelhantes, terá valido a pena. Segundo a revista britânica The Economist, a proporção de estadunidenses que achavam existir evidências sólidas de aumento das temperaturas globais caiu de 71% em abril de 2008 para 57% em outubro de 2009 (Carta Capital, 16/12/2009, página 48).
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Não há dúvidas sobre o aquecimento global, nem sobre o peso das atividades humanas na sua geração. No entanto, depois de dois anos de uma gigantesca campanha de mídia, envolvendo também a criação de ONGs fajutas e de movimentos aparentemente “grass-root”, portanto “espontâneas e comunitárias”, e sobre tudo listagens de cientistas “céticos” visando dar impressão de “quantidade”, temos resultados, e para os grupos do petróleo, do carvão e semelhantes, terá valido a pena. Segundo a revista britânica The Economist, a proporção de estadunidenses que achavam existir evidências sólidas de aumento das temperaturas globais caiu de 71% em abril de 2008 para 57% em outubro de 2009 (Carta Capital, 16/12/2009, página 48).
O estudo de James Hoggan (Climate cover-up: The cruzade to deny global warming) não é sobre o clima, mas sobre comunicação, e consiste essencialmente em mapear como a campanha foi montada e como hoje funciona. A articulação é poderosa, envolvendo instituições conservadoras como o George C. Marshall Institute, o American Enterprise Institute (AEI), o Information Council for Environment (ICE), o Fraser Institute, o Competitive Enterprise Institute (CEI), o Heartland Institute, e evidentemente o American Petroleum Institute (API) e o American Coalition for Clean Coal Electricity (ACCCE), além do Hawthorne Group e tantos outros. Sempre petróleo, carvão, produtores de carros, muitos republicanos e a direita religiosa.
Os grandes grupos corporativos aparecem mais discretamente, com exceção da ExxonMobil que inundou com dinheiro o mercado de consultoria e de comunicação. Este “inundou”, naturalmente, é um conceito relativo: são centenas de milhões de dólares, mas New Scientist lembra que “as empresas de petróleo têm vastos lucros. Só a ExxonMobil lucrou US$ 45 bilhões em 2008. Em um mundo sano, certamente encontraríamos uma maneira de desviar um pouco deste dinheiro para resolver os problemas que o próprio petróleo está gerando. A questão é: estamos vivendo num mundo sano?” (NS, 5/12/2010, p. 5) Não custa lembrar que estas empresas não “produzem” petróleo, e sim extraem e comercializam um bem herdado da natureza que está acabando. Em termos de personagens, encontraremos os das causas conservadoras e muitos personagens “flexíveis”, como Frank Luntz, Christopher Walker, Fred Singer, Patrick Michaels, Arthur Robinson, Steven Milloy, Benny Peiser e numerosos outros, além da eterna estrela do “contra”, o dinamarquês Lomborg, que graças à sua disponibilidade anti-clima ganha financiamentos para incessantes palestras.
Profissionais das relações públicas (sim, o nome é este) estão sempre presentes. Hoggan, o autor deste estudo, é um profissional de relações públicas e conhece profundamente como funciona a indústria da construção e da destruição das reputações de pessoas ou de causas. Isso o levou a fazer o presente levantamento detalhado de como se estrutura, com o impressionante poder das tecnologias modernas de comunicação, a manipulação da opinião pública. Independentemente da causa, no caso o drama do aquecimento global, o que é muito interessante no livro é entender esta indústria da desinformação.
Naomi Oreskes organizou uma meta-pesquisa, com o buscador “mudança climática global”, e limitada a artigos revistos por pares (peer review). Encontrou 928 artigos, nenhum colocando dúvidas sobre a realidade do processo climático. Nos jornais, no entanto, comentando a pesquisa, 53% dos artigos, buscaram ouvir “os dois lados”, e colocaram de maneira equilibrada opiniões de contestadores. Zero por cento de artigos científicos contestadores sobre o processo climático em si, mas nos jornais aparecia como “um tema em discussão”. O que era o objetivo. O tema está em discussão, afirmam gravemente os grandes grupos geradores do aquecimento (não diretamente, sempre por meio de listas de livre inscrição), portanto o assunto “é controverso”. Os “céticos” passam a se apresentar não como contestadores do fenômeno, mas como os que têm uma visão equilibrada, sem extremismos, portanto acreditam que talvez haja um problema, mas temos de ser ponderados, e adiar decisões.
No caso de Naomi Oreskes, é curioso, pois um Dr. Benny Peiser, professor de educação física (esporte mesmo, não física), realizou uma pesquisa sobre “mudança climática” (e não “mudança climática global”) e apresentou uma lista não de 928 artigos, mas de mais de 12 mil. Portanto, os 928 representariam apenas uma pequena parcela das opiniões. Os jornais, devidamente estimulados (a Fox em particular, naturalmente), fizeram alarde. Faltava demonstrar que os 12 mil tinham opinião contrária. Pressionado por revistas científicas que se recusavam a publicar o seu artigo, Peiser conseguiu localizar 34 artigos “que rejeitam ou duvidam da visão de que as atividades humanas são a principal causa do aquecimento observado nos últimos 50 anos”. Pressionado ainda para mostrar os artigos e os argumentos científicos em artigos “peer reviewed”, Peiser finalmente chegou a um artigo científico de contestação. Não era revisto por pares, e foi publicado na American Association of Petroleum Geologists. (102).
Tudo isto, evidentemente, amplamente divulgado, em particular por redes de institutos empresariais conservadores, utilizando em parte os mesmos grupos de relações públicas utilizados nas campanhas de caça-voto dos republicanos, e apoiados nas tecnologias de ampla divulgação como youtube. O resultado de tudo? Frente a tanta celeuma, os grupos interessados puderam passar a dar entrevistas “equilibradas”, pois estaria claro que “há controvérsias”. Que era o único objetivo da campanha. Não de negar o inegável, mas de dar a entender que as pessoas comedidas, equilibradas, não vão fazer nada, e muito menos pressionar os agentes do aquecimento global. O livro é muito instrutivo para quem lida com comunicação, com teoria dos lobbies, com manipulação política. O próprio Hoggan menciona como é cansativo, a cada vez que aparece um cientista de peso mencionado no grupo “cético”, fazer circular a carta de denegação do cientista, ou destrinchar uma lista de milhares de “opositores” para ver se há no meio alguém que realmente tenha feito alguma pesquisa sobre a única coisa finalmente relevante, que não é a “opinião”, e sim dados científicos novos que provem algo diferente. E depois tentar fazer circular a informação de que a “notícia” afinal não era notícia, isto numa mídia onde as corporações financiam a publicidade.
Uma pérola entre os argumentos e uma das mais utilizadas: “Como os cientistas dizem que podem prever o clima dentro de 50 anos se não são capazes de prever a chuva de amanhã”. Como se meteorologia e estudos climáticos fossem da mesma área. Um britânico pode não saber se vai nevar amanhã, mas sabe perfeitamente prever que vai chegar o inverno e o frio correspondente, e não hesita em comprar um casaco. Mas o argumento pega e se apoia numa fragilidade que é de todos nós: se nos dão um argumento que confirma a opinião que já estávamos propensos a ter, qualquer estribo vale.
O estudo bem poderia ser traduzido e utilizado para os nossos próprios problemas como, por exemplo, o peso da bancada ruralista na opinião pública, ou as campanhas orquestradas pela FEBRABAN, ou ainda a campanha contra a proibição de armas de fogo individuais, estribadas no “direito de se defender” e até na “liberdade”. Nos Estados Unidos, temos precedentes interessantes e igualmente desastrosos tanto no caso das armas, como na batalha das grandes empresas de saúde privada aliadas com o “Big Pharma” para tentar travar o direito de acesso a serviços de saúde, sem falar das gigantescas campanhas das empresas de cigarros.
O último livro de Robert Reich, aliás, “Supercapitalim”, também trata desta apropriação dos processos políticos pelas corporações. O filme “O Informante” mostra como isto se deu com a indústria do cigarro, enquanto “The Corporation” explicita o mecanismo de maneira ampla. Marcia Angell fez um excelente estudo dos procedimentos equivalentes na indústria farmacêutica (em português, A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos). A própria desinformação se transformou numa indústria. É a indústria da opinião pública. No caso da mudança climática, como qualificar a dimensão ética do que constitui uma clara compra de opiniões? Ou os ataques impressionantes das empresas de advocacia das corporações, que processam qualquer pessoa que ouse sugerir que uma opinião poderia envolver não a verdade, mas interesses corporativos? O liberalismo tem uma concepção curiosa da liberdade.
Fonte: http://www.eco21.com.br/
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