Foi
o mercado que formou o atual e devastador modelo econômico que, por se
sustentar numa escala de produção crescente para “satisfazer” níveis de consumo
exagerados, dilapida os principais serviços ecossistêmicos, exaurindo recursos
ambientais acima da capacidade de regeneração do sistema ecológico.
Mesmo
tal nível de consumo não sendo extensivo a todos, visto estar concentrado em
poucas mãos, fere substancialmente o patrimônio natural. Os números que
conformam esse argumento são ilustrativos: Pouco mais de 250 pessoas, com
ativos superiores a US$ 1 bilhão cada, têm, juntas, mais do que o produto bruto
conjunto dos 40 países mais pobres, onde vivem 600 milhões de pessoas. Os 16%
mais ricos do mundo são responsáveis por 78% do total do consumo mundial. E 92
mil pessoas acumulam em paraísos fiscais mais de US$ 20 trilhões. As 500 milhões de pessoas mais ricas do
planeta são responsáveis por 50% da emissão de dióxido de carbono, agravando o
efeito estufa.
De acordo com o relatório “O Estado do
Mundo” (elaborado pelo Worldwatch Institute), em 2008 foram vendidos no mundo 68 milhões de veículos, 85
milhões de refrigeradores, 297 milhões de computadores e 1,2 bilhão de
telefones celulares. O consumo da humanidade em bens e serviços saiu de US$ 4,9
trilhões, em 1960 (calculado em dólares de 2008); para US$ 23,9 trilhões
(1996), chegando em US$ 30 trilhões (2006) e, em US$ 41 trilhões, em2012.
O
consumo suntuoso, conspícuo, no “idioma economês”, grassa aceleradamente,
“consumindo” o capital natural do planeta. Os gastos com cosméticos ao ano
-somente nos EUA- chegam à importância de US$ 9 bilhões. A Europa (com 740
milhões de habitantes) gasta com cigarros, também ao ano, mais de US$ 50
bilhões, e mais US$ 105 bilhões são gastos em bebidas alcóolicas. O gasto
mundial anual em armamentos e equipamentos bélicos se aproxima de US$ 900
bilhões, enquanto apenas US$ 9 bilhões (portanto, 1% do que as grandes
potências gastam para matar gente inocente) seriam suficientes para levar água
e saneamento básico para toda a população mundial.
Esse
modelo econômico de elevada produção “alimentado” com exagerado consumo, como
dissemos, é destruidor dos serviços ecossistêmicos. Basta atentar para o
estrago generalizado nos quatro ecossistemas que fornecem nosso alimento –
florestas, pradarias, pesqueiros e terras agrícolas. Especificamente, nesses
dois últimos, a atividade econômica tem se manifestado ao longo do tempo de
forma muito invasiva. Das 17 reservas pesqueiras oceânicas conhecidas no mundo,
11 delas possuem taxas de retirada maior do que a capacidade de reposição. Das
terras firmes do mundo, quatro bilhões de hectares encontram-se deteriorados.
Os últimos 50 anos de atividade econômica respondem pela depredação de 60% dos
ecossistemas.
Relacionado
a isso, o crescimento populacional e, logo, de suas “necessidades”, se
apresentam num ritmo mais acelerado do que a natureza é capaz de suportar.
Descontadas as mortes, a cada dia 220 mil novas pessoas nascem no mundo – são
80 milhões ao ano. Nos últimos 112 anos, a população cresceu mais de 350%;
passou de 1,5 bilhão, no ano 1.900, para os atuais 7 bilhões. Por isso, de 1980
pra cá, o consumo mundial dos recursos aumentou 50% - a cada ano são extraídas
60 bilhões de toneladas de recursos.
Quando
o consumo material excede o nível necessário, o bem-estar consequentemente
declina. Talvez isso explique a necessidade de se criar uma nova economia, um
novo modelo econômico projetado para a Terra – e não para o mercado -, sendo
considerado sustentável, na acepção do termo, somente se praticar o
imprescindível respeito aos princípios ecológicos. Para alcançar esse novo
estágio de modelo econômico é necessário, antes, mudar o modus operandi do sistema econômico.
É
inaceitável mantê-lo da forma como está, criando cada vez mais necessidades
fúteis. É assim que esse modelo se sustenta, pouco se importando em satisfazer
plenamente as necessidades da população, mas sim em continuar criando novas
produções para alimentar um consumismo, em geral, de futilidades, mantendo
sempre em nível elevado essas “necessidades”. Para isso, estimula-se em ritmo
alucinante a produção econômica, “oferecendo”, como espécie de “recompensa”, à
biosfera mais poluição, mais degradação ecológica.
A
obsolescência programada (mecanismo para diminuir a vida útil dos produtos
forçando assim novas vendas) ocupa considerável espaço nessa dinâmica. Apenas
para ilustrar: somente em 2012, a população brasileira descartou (jogou no
lixo) 200 milhões de telefones celulares.
Junto
à insidiosa indústria da publicidade (o segundo maior orçamento mundial,
perdendo apenas para os gastos bélicos) a dinâmica capitalista “surfa” cada vez
mais nessa onda consumista. Quem sofre com isso é o planeta que fica arranhado
em sua textura principal pelas garras afiadas desse consumo voraz, ainda que
restrito para poucas mãos.
(*)
Professor de economia. Mestre em Integração da América Latina (USP).
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