Energia eólica deixa de ser uma utopia quixotesca e começa a mostrar que pode competir feito gente grande num mercado dominado por lobbies.
A transformação da economia para processos de baixo carbono depende principalmente da substituição dos combustíveis fósseis por fontes limpas para geração de eletricidade. A energia dos ventos já assumiu a liderança dessa transição. Imagem síntese da economia verde, as pás eólicas estão produzindo, também no Brasil, energia mais barata que as novas hidrelétricas ou qualquer usina térmica. Contraponto ao pesadelo das mudanças climáticas, a expansão em larga escala do uso do vento carrega os anseios do desenvolvimento sustentável, ao promover inovação tecnológica para produzir energia, bons empregos verdes e mitigação do aquecimento global.
Passando ao largo das crises, a participação do vento na matriz mundial cresceu quase 32 vezes em 15 anos. Alimentou esse crescimento vigoroso o alerta do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC) sobre a contribuição da atividade humana ao aquecimento da Terra – particularmente o uso de carvão mineral na geração de eletricidade. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, reagiu com uma previsão: “A nação que liderar em energias limpas será a líder da economia global”. Mesmo com as crises, nos últimos três anos os americanos mais do que dobraram seu parque gerador eólico, chegando a 40,2 GW (gigawatts). Do outro lado do mundo, a China tomou fôlego de dragão e desde 2005 multiplicou a potência eólica 55 vezes. Só no ano passado, instalou 16,5 GW – mais do que uma Itaipu ou metade das novas usinas eólicas de todo o planeta –, chegando à liderança mundial, com 42,3 GW.
Essa aposta contribui para o rápido desenvolvimento de uma tecnologia que é um seguro contra o aquecimento global, com a vantagem de fornecer energia abundante para manter o crescimento econômico. A nova fronteira dessa corrida é o Brasil, que tem ventos para instalação de usinas com capacidade para gerar 300 GW, de acordo com o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, que está sendo atualizado pelo Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), entidade vinculada à Eletrobrás.
Começa agora a arrancada brasileira para se destacar do “resto do mundo”, grupo em que figura na radiografia da capacidade instalada produzida pelo Conselho Global da Energia Eólica (GWEC – fórum que representa 1500 organizações de 80 países). Apenas em junho deste ano, o país alcançou a marca de 1 GW instalado, ou 0,7% de sua geração elétrica.
O que alimenta as turbinas é a queda do preço nos leilões de energia realizados em agosto pelo governo federal. A eólica ficou com metade dos lotes – quase 2 GW – oferecendo preço médio mais barato do que o da fonte hidrelétrica, pouco abaixo dos R$ 100 o MW/h. O volume é considerado o grande impulso que faltava para dar escala ao setor, com usinas contratadas nos últimos três anos para operar principalmente no Nordeste e no Sul do país. “Nosso desafio imediato é instalar a geração de 6 gigawatts até 2014”, afirmou Ricardo Simões, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (AbeEólica), na abertura do Brasil Windpower, grande fórum do setor realizado no início de setembro, no Rio de Janeiro.
A queda de preço é consequência de maturação dos investimentos nos anos recentes, ganhos de escala e competição global que levam ao alinhamento com os mercados internacionais. “É difícil que tantos investidores experientes tenham feito contas erradas para participar do leilão”, disse Luiz Pescarmona, presidente da Impsa, que atua em 30 países como fornecedora de equipamentos e investidora em projetos de geração. “A cadeia de suprimentos vai ter melhor eficiência”, avaliou.
Existem usinas de variados tamanhos e tecnologias em constante aprimoramento, que não alteram ecossistemas e exigem no máximo um terço do tempo que a obra de uma hidrelétrica – com seus inevitáveis impactos ambientais – demanda para começar a funcionar. Faz sentido, também, a análise que atribui essa aceleração à crise internacional, que reduziu encomendas nos países ricos levando a uma corrida aos emergentes.
Estão previstos investimentos de US$ 25 bilhões para geração eólica já contratada no Brasil até o final de 2013. Montadoras globais dominam a oferta de equipamentos aqui: a Suzlon (Índia), a Impsa (Argentina), a GE (EUA), a Wobben e a Siemens (Alemanha) já estão operando e em expansão; a Gamesa (Espanha) acaba de inaugurar uma planta na Bahia, onde também a Alstom (França) começará a operar no mês que vem. Também devem ampliar instalações a Vestas (Dinamarca) e a Führlander (Alemanha). São gigantes da tecnologia dos ventos liderando uma cadeia produtiva que procura se beneficiar do suporte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o maior financiador do setor. “O financiamento, que pode chegar a 80%, é proporcional ao índice de nacionalização do projeto”, garante Luís André Sá D’Oliveira, gerente de Infraestrutura do banco.
Atualmente, o índice de nacionalização dos equipamentos exigido está em 80%. No entanto, o presidente da Wobben, Pedro Vial, defende “60% de nacionalização, o mesmo que existe para a indústria naval e a petroleira”. Ele afirma que a empresa global já capacitou 1.600 colaboradores brasileiros – “mais de 400 com especialização na Alemanha” –, desde que se instalou aqui, há 15 anos. Hoje tem plantas em Sorocaba (SP), Pecém (CE) e Parazinho (RN). “Os fabricantes são players globais” – lembra – “e estão todos competindo em igualdade. O importante é evitar a concorrência predatória, inclusive pelos recursos humanos.”
O que os empreendedores mais querem é garantir a venda da energia eólica e encontram boa receptividade no governo. “Vamos estudar novos leilões exclusivos para fonte eólica”, disse Maurício Tolmasquim, o presidente da Empresa de Planejamento Energético (EPE), do Ministério das Minas e Energia.
Essa indústria de ponta tem deslocado perspectivas ao promover avanços tecnológicos em reposta às demandas do mercado. A Alstom, por exemplo, já tem protótipos de turbinas de até 6 GW – mais do que o triplo das maiores máquinas atualmente em linha de produção. A acelerada inovação alimenta a expectativa do presidente da Eólica Brasil, Marcello Storrer: “Com esses equipamentos, divide-se o custo de instalação praticamente por três”. Pioneira no país da modalidade off shore (plataformas localizadas no mar), a Eólica Brasil já obteve aprovação do governo para instalar no litoral do Ceará a Usina Marítima Asa Branca, gigante de 11,2 GW. Somente este megaprojeto dobra a capacidade de energia eólica prevista nos mais recentes estudos da EPE.
O Relatório Especial sobre Fontes de Energia Renováveis e Mitigação da Mudança Climática (SRREN, sigla em inglês),, divulgado pelo IPCC em junho, saúda “o significativo potencial da energia dos ventos para reduzir a emissão de gases de efeito estufa no médio prazo (2020) e no longo prazo (2050)”. Mas alerta que “políticas apropriadas continuam a desempenhar um papel significativo para a maior utilização da energia eólica”, tanto no mar quanto em terra. Um desafio que exige grande capacidade de governança para explorar potencialidades ainda limitadas pelo paradigma da produção de energia com intensa emissão de gases de efeito estufa.
Fonte: Sávio de Tarso (Envolverde), especial para o Instituto Ethos
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