Conheça gestores que
foram protagonistas da implantação de políticas e práticas de sustentabilidade
em seus negócios
Jornalista Bruna
Robassa
Apesar das diferentes
trajetórias e atuações diversas em variados níveis e tipos de organizações, os
líderes da sustentabilidade corporativa tem algo em comum: a sede por mudança e
por fazer acontecer. Grandes empresas brasileiras e multinacionais com sede no
país, como Natura, Santander, Whirpool, Walmart, Fibria e Renova Energia contam
com fundadores, diretores, presidentes ou ao menos um líder dedicado a conduzir
movimentos que visam ao desenvolvimento sustentável da organização.
A atuação do líder é
considerada uma forte aliada para as organizações. Estudiosos de conceituadas
universidades defendem que sem liderança não há sustentabilidade, e sem desenvolvimento
sustentável fica comprometida a perpetuidade da organização e do planeta. Na
visão desses estudiosos, liderar significa ter coragem para fazer uma crença
acontecer, portanto só quem acredita alcança.
Mas essa qualidade
não está restrita aos profissionais das grandes organizações. Muito pelo contrário.
Ansiosos por fazer acontecer, empreendedores que passaram ou não por experiência
corporativa anterior em outras empresas decidiram promover a mudança criando
seus próprios negócios. É o caso dos empresários Caio Bonatto, fundador da TecVerde,
Humberto de Ramos Cabral, criador e diretor industrial da Embafort e do uruguaio
Juan Muzzi, fundador da Muzzicycles.
Mudança • Formado em engenharia
civil, Bonatto cresceu observando o canteiro de obras da construtora de seu
pai. Junto de seus dois sócios, criou a Tecverde. “Nosso sonho é tornar o setor
da construção civil mais sustentável e industrializado, e, por meio da mudança
de um setor tão conservador quanto o nosso, inspirar outros setores a se
reinventarem também. Buscamos inspirações tecnológicas em diversos outros
países até chegarmos à nossa tecnologia final, que foi totalmente adaptada à
nossa realidade”, conta o empreendedor.
Localizada em
Curitiba e desde 2010 atuando no sul e no sudeste brasileiro, a Tecverde se baseia
em um conceito inovador de construir casas no Brasil. A tecnologia utilizada,
chamada de woodframe, foi a escolhida pelo fato de ser a que melhor conseguiu
reunir aspectos de industrialização (sem limitar a flexibilidade de personalização
dos projetos), agilidade, conforto e sustentabilidade. As casas Tecverde são produzidas
em um prazo até seis vezes menor que o processo de construção tradicional e ainda
reduz os desperdícios em até 85% e as emissões de CO2 em até 80%. Essa tecnologia
foi transferida da Alemanha para a Tecverde com apoio técnico de um convênio com
o Ministério da Economia de Baden Wurttemberg e apoio da FIEP, SENAI e outras
34 empresas.
Determinação • Caio Bonatto conta
que o que fator determinante para que o projeto de criação da TecVerde se
tornasse realidade foi a essência e o sonho nunca terem sido deixados de lado.
“Mudar um setor tão conservador, inovar, não é fácil. Exige muito, mas muito
mesmo de todo o time diariamente. Disciplina, determinação, perseverança, e
aquela certeza de que tudo é possível. Se não tivesse o sonho conosco, se fosse
só pelo dinheiro de curto prazo, com toda certeza já estaríamos em outra faz
tempo”, destaca o empreendedor.
Segundo ele, o grande
desafio para manutenção da empresa é manter as pessoas motivadas e inspiradas
para fazer algo grande, quando tudo em nosso país parece jogar para baixo. “É burocracia
que não acaba mais. Prazos absurdos para certidões. Um caminhão de papel para cada
coisinha que se pretende fazer. Impostos que ninguém sabe como calcular para
produtos normais, e quem dirá para produtos inovadores.
Vencer tudo isso é um
grande desafio”, ressalta. Para Bonatto, a sustentabilidade não deveria ser
nunca um diferencial, mas sim um fator intrínseco a todo e qualquer produto,
serviço ou decisão. “Sustentabilidade não é ainda um fator decisivo de compra,
pode até ser um fator agregador de valor em alguns casos, mas por que seria? Eu
dou toda razão para o consumidor.
Ele quer comprar um
produto de qualidade, com bons preços e que desempenhe bem o papel do que ele
se propõe a ser”, opina. Ainda segundo o
fundador da TecVerde, as empresas devem exercer um papel muito forte para fazer
com que todos seus produtos sejam bons, de qualidade e tenham bons preços, e a sustentabilidade
faça parte desse pacote. “As empresas precisam entender que a sustentabilidade não
é uma linha de produtos para eco-chatos, e sim mais uma variável do negócio que
bem gerenciado trará vantagens competitivas gritantes: redução de custos com
matéria-prima, logística, mais qualidade de vida para mão de obra, mais
qualidade no entorno”, relata Caio Bonatto.
Orgulho • Hoje o empreendedor
se sente feliz e orgulhoso pelo negócio. “Principalmente pelas pessoas que
estão conosco ou participaram de nossa história. Nosso plano é realmente mudar
o mundo a partir de uma mudança no que está ao nosso alcance. Ninguém nasce
gigante, nasce perfeito, e o brasileiro tem vergonha disso. Parece que tudo tem
que estar 100% desde o começo. Não é assim. As pessoas podem e devem arriscar, errar,
corrigir aqui e ali, tentar de novo e mudar e melhorar. E quando tudo parecer 100%
é porque está na hora de você se reinventar de novo”, defende. Bonatto pensa
que os profissionais da sua geração estão mais antenados em relação ao desenvolvimento
de negócios sustentáveis, mas acredita que não entenderam ainda como conduzir da
teoria à prática e como tirar proveito da sustentabilidade como uma ferramenta
de gestão e não como uma ferramenta de marketing apenas. O empreendedor defende
que os profissionais pensem de forma holística ao tomarem uma decisão e incorporem
fatores que impactam no meio ambiente e no social aos poucos na agenda da empresa.
“Com o tempo, verá que a sustentabilidade faz parte da sua essência. Fazer com
que seu time se engaje até mais que você”, orienta.
Decidido a proteger •
Humberto
de Ramos Cabral, fundador e diretor industrial da Embafort, é graduado em
Engenharia Florestal e especialista em Gestão Industrial de Tecnologia da
Madeira, entre outras qualificações. Em 1979, com 23 anos, ele saiu de Curitiba
para estagiar no antigo Projeto Jari, em plena Selva Amazônica, com a missão de
acompanhar as equipes de inventário Florestal pela selva, para prospectar o
potencial de utilização das árvores e dos biomas. “Tive a oportunidade de ficar
deslumbrado com a floresta majestosa, com os animais e as cachoeiras. Mas um
lugar em especial me encantou, ao qual retornei quatro meses depois.
Ao caminhar pelas
brumas da manhã no meio da mata, senti um grande mal-estar. Saí da mata e vi
que tudo aquilo que tanto tinha me encantado fora derrubado pelos tratores. O
ar estava seco, sofrido e doentio, devido a queimadas que afetavam uma área de
cinco km2. Naquele momento, tomei a decisão de dedicar a minha vida para a
proteção dos biomas”, relata.
Cabral também conta
que já nasceu com a vontade de ser empreendedor, e decidiu absorver o máximo de
experiências profissionais, para um dia ser dono do seu próprio negócio. Assim
ficava somente dois anos em cada empresa. “Busquei experiências em vários
estados do Brasil e nos Estados Unidos. Um ano após retornar ao Brasil, fui trabalhar
em uma grande indústria de compensado e vi as sobras de produção e o material
descartado. Desenvolvi um projeto a fim de produzir embalagens com as sobras e
os resíduos e comecei a trabalhar sozinho, com sobras das serrarias de madeira
de reflorestamento e das fábricas de compensado. Assim, fundei a Embafort em 1988,
com US$70,00 e o sonho de empreender e causar impacto”, lembra.
Juntando sua formação
e experiências pessoais e profissionais buscou trabalhar de forma pioneira com
Eco-Business. Inicialmente focou no segmento de embalagens industriais em
madeira e de reciclagem de embalagens industriais descartadas, tendo por concepção
conectar o crescimento e o desenvolvimento dos negócios, por meio da união da
inovação e sustentabilidade.
Trabalho em equipe • Segundo ele, a
empresa passou por diversos ciclos, que foram fundamentais para moldar o que é
hoje. “No início, éramos uma empresa muito pequena e, em 1996, eu quebrei. Na
época em que fui à falência, teve um momento em que percebi que só falava e
pensava no singular. Foi quando reuni meus funcionários, que eram apenas nove,
e disse para eles: precisamos conquistar o ISO 9000.
Foi nesse momento,
que vi que para reerguer a Embafort precisaria da união e do esforço de todos,
e que uma empresa se constrói por meio da valorização do trabalho em equipe”,
conta.
Segundo conta o
empresário, a partir desse momento, a Embafort seguiu baseada em três critérios:
ter lucratividade, pois a empresa precisa se perpetuar; trabalhar com gestão de
desenvolvimento humano e se preocupar com a preservação do meio ambiente. O
investimento nas certificações das normas do Sistema de Gestão da Qualidade ISO
9001, Sistema de Gestão Ambiental ISSO 14001 e Sistema de Gestão de Saúde
Ocupacional e Segurança no Trabalho OHSAS 18001 fez da empresa uma organização
com sólidas diretrizes e promoção de equilíbrio em todo o processo de gestão.
“Atualmente, somos a única na América Latina com Sistema de Gestão Integrado”,
destaca.
Disposto a buscar um
novo nicho de mercado, em 2007, após análise das suas competências essenciais e
das habilidades da Equipe Embafort, Cabral criou o setor de Novas Áreas de Negócios
ligado à área de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, e dentro deste iniciou o
projeto de Habitação Social. A empresa recebeu apoio da FINEP para desenvolver
projetos nessa área em três editais, nos anos de 2008, 2010 e 2013 e, desde
então, está ampliando a Embafort Sistemas Construtivos.
Reeducação • Além das dificuldades
financeiras enfrentadas em 1996 e 2008, o empresário conta que a empresa sofreu
muito com o preconceito que existe quanto ao uso de madeiras de reflorestamento,
como Pinus e Eucalipto. Segundo ele, nos primeiros anos, existia grande
resistência por parte dos clientes quanto ao tipo de madeira a ser utilizada
nas embalagens industriais.
“Os nossos clientes
queriam utilizar madeiras nobres como Peroba, Cedro, Pinheiro ou, em último
caso, as Madeiras de Lei. Passamos por um longo processo transformador de
reeducação com os clientes, explicando que madeiras de reflorestamento como
Pinus e Eucalipto, mesmo com suas restrições, são vistas como ativos renováveis
e, ao utilizarmos essas espécies, estamos protegendo as nossas florestas
nativas”, explica. Atualmente, a Embafort ainda enfrenta o “preconceito” que
existe com relação às habitações sociais em madeira, estigmatizadas como
inseguras e com baixa durabilidade. Os projetos desenvolvidos pela companhia
buscam reverter esse pensamento, com a criação de habitações que utilizam
materiais e processos mais sustentáveis, com um custo competitivo e qualidade
garantida.
Necessidade • Na opinião de Cabral,
a sustentabilidade é uma necessidade. As empresas precisam praticar os
conceitos do Tripple Bottom Line e sempre buscarem ser
inovadoras. A Embafort utiliza como base de crescimento e sustentabilidade a
inovação em seus produtos, gestão de processos e modelo de negócio focado em
Eco-Business. No processo de benchmarking da London Business School, que
compara 1.000 empresas do mesmo setor, a Embafort ficou entre as cinco melhores
do mundo, sendo benchmarking em Meio Ambiente e 2º lugar em Inovação e Desenvolvimento,
além de ter sido reconhecida por instituições públicas e privadas, sendo
premiada com o Prêmio FINEP de Inovação, entre outros.
Simplificação e
capacitação • Cabral
acredita que uma das razões do seu sucesso é a busca por simplificar processos,
enquanto vê muitos profissionais complicando. Ele vê a inovação como a criação
de algo novo, útil, que gere retorno financeiro, atenda as necessidades das
pessoas e promova a sustentabilidade.
“Acredito que o melhor
conselho que eu possa dar é que sempre penso que, embora a Embafort seja uma indústria
de pequeno porte, com 60 funcionários, é fundamental buscar a capacitação dos
colaboradores e identificar os potenciais líderes entre eles. Sou um empresário
com visão de futuro e entendo que o verdadeiro patrimônio de uma empresa é
formado pelas pessoas que participam diariamente dos processos da empresa e
vejo nestes a reflexão dos valores e princípios da Embafort”, destaca. O
empreendedor busca promover na Embafort um ambiente que seja o reflexo dos seus
valores. “Ao andar pela empresa, fica clara a nossa opção pela sustentabilidade,
pois o processo não fica restrito à empresa. Eu acredito e respeito a forma particular
de expressão, limite e potencial criativo do ser humano e, por isso, a Embafort
apoia mensalmente desde 2007 a ONG SERPIÁ, cuja missão é contribuir para a
prevenção e o restabelecimento da saúde mental de crianças e adolescentes, que
vivem ou que passaram por algum sofrimento psíquico”, ressalta.
Cabral acredita que
arriscou e acertou ao abrir a sua própria empresa. Não foi um caminho fácil e
passou por muitas dificuldades, inclusive grandes crises econômicas nos seus 25
anos de estrada. “Mas sei que estou no sentido certo quando vejo o meu esforço
e a empresa sendo reconhecidos publicamente”, comemora. Sua meta é transformar
a Embafort em referência nacional de Construções Sustentáveis e Tecnologia Social,
sem abandonar a área de Embalagens Industriais, que já possui nome consolidado.
Inovação e
persistência • O
uruguaio Juan Muzzi, que mora no Brasil há mais de 40 anos, inovou ao criar a empresa
Muzzicycles, que utiliza o conceito de sustentabilidade ao aliar o ciclismo com
a reciclagem de garrafas de PET. Ele conta que a persistência foi o fator
determinante para que a empresa fosse criada. Segundo ele, os maiores desafios
para criação e manutenção da empresa foram o pouco interesse das autoridades e das
pessoas em geral, além dos recursos financeiros.
Para o empresário, o
nível de liderança e protagonismo dos profissionais de sua geração ainda é
inexpressivo e defende que precisa haver evolução, além de maior consciência
ambiental.
Ele espera que, no futuro,
seja mais valorizado por seu projeto e acredita que o inconsciente das pessoas
é ambiental. A Muzzicycles utiliza um Processo de Desenvolvimento Limpo (PDL) e
produz bicicletas por meio do reaproveitamento de garrafas de PET.
Além de serem
bicicletas mais baratas, que eliminam soldas, não enferrujam, não precisam de amortecedor,
são ecologicamente corretas pelo fato de proporcionaram menor extração de
minérios de ferros e bauxita, processar menos alumina e diminuírem o efeito
estufa.
De acordo com levantamento
da empresa, é possível reciclar anualmente 15.840.600 garrafas de PET que
poderiam ser transformadas em 132 mil quadros de bicicleta. Com isso, seriam economizados
980.732 kg de petróleo e 2.738.227 kg de CO2 deixariam de ser despejados no
meio ambiente. 200 garrafas de PET são necessárias para produzir cada unidade,
que tem o peso médio de 6 kg. Muzzi dedicou mais de dez anos para desenvolver a
bicicleta até chegar à versão final, para ser produzida em escala industrial em
sua empresa, em São Paulo. Para coletar as garrafas, o empresário firmou
algumas parcerias com grandes empresas.
Geração de Energia
O desenvolvimento
sustentável é a base de crescimento da Renova Energia, empresa que tem como diretor
presidente o paranaense de Toledo, Carlos Mathias Becker. Durante palestra organizada
por uma consultoria especializada em estratégia e inteligência em
sustentabilidade em São Paulo, Becker contou que acompanhou de perto o grande
impacto da construção da Usina de Itaipu. Esse foi o seu primeiro despertar para
o tema da sustentabilidade e para a sensação de que poderia transformar o mundo.
Entre as ações da
empresa com foco em sustentabilidade está o Programa Catavento. A iniciativa reúne
projetos sustentáveis e de desenvolvimento socioambiental no semiárido baiano,
região onde estão localizados 14 parques eólicos da empresa, que tiveram a
energia comercializada no Leilão de Energia de Reserva (LER) 2009.
Fundada em 2001, a
Renova Energia é uma Companhia brasileira de geração de energia elétrica renovável
com atuação em matrizes eólica, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e solar.
Desde 2009 sua atuação está concentrada em projetos de fonte eólica.
Graduado em
Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Paraná, em 1994, Becker atuou nas
companhias Volvo Caminhões, Renault Automóveis, McKinsey & Company, Fidelity
Investments, antes de assumir a presidência da empresa Renova Energia S.A.
http://issuu.com/revistageracaosustentavel/docs/gs_37_protagonismo_sustentabilidade
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