É incrível a capacidade de adaptação
do conceito de sustentabilidade às mais diversas áreas da atividade humana. Se
há facilidade em propor sua aplicação em novas atividades – startup's e empreendimentos conceituais
–, por outro lado, há de se reconhecer a dificuldade e criatividade no uso de
práticas sustentáveis em atividades centenárias e já consolidadas, como a da
saúde.
Iniciada na década de 1990, pelo
britânico John Elkington, as práticas de sustentabilidade na gestão hospitalar
baseiam-se no tripé aspectos econômicos, sociais e ambientais. De acordo com Marcelo
Durante Bittencourt, mestre em Administração com ênfase em Sustentabilidade
Hospitalar pela Universidade Udelmar (Chile), os pilares de Elkington
repercutem em ações socioeconômicas, socioambientais e de ecoeficiência.
“Esses aspectos atingem globalmente
toda a cadeia de valores do negócio hospitalar, abrangendo tanto as atividades
econômico-administrativas e médico-assistenciais quanto toda a sociedade
envolvida, pacientes, clientes, acompanhantes, governantes, fornecedores e
demais stakeholders”, afirma.
Dessa forma, um dos principais
objetivos da sustentabilidade aplicada na gestão hospitalar é a redução de
consumo e impacto ambiental. No entanto, as ações não são reduzidas às práticas
administrativas, mas sim na conscientização e promoção do envolvimento de todo
o corpo funcional da entidade e do hospital com a comunidade em que está
inserido.
“A interação com toda a comunidade
adjacente, clientes e usuários, corpo de colaboradores, médicos e
principalmente fornecedores, visa a divulgar e conscientizar para as melhores
práticas de sustentabilidade a serem praticadas e disseminadas, para que se
torne uma nova mudança de postura de todos, objetivando maior reflexão para o
consumo consciente, atuando de forma responsável e mais humana nas ações e
atividades desenvolvidas por todos os integrantes dessa atividade hospitalar”,
afirma Bittencourt.
Gestão responsável na área da saúde
Apesar do conceito de sustentabilidade
aplicado à saúde ter iniciado na década de 90, na Inglaterra, seu uso na gestão
hospitalar no Brasil ainda é incipiente, sendo foco de preocupação de poucas
instituições, ou em ações isoladas no gerenciamento do hospital.
Uma das instituições que encamparam o
conceito de sustentabilidade na área da saúde e vem se preocupando cada vez
mais na sua aplicação às ações macro de gestão dos hospitais é a Associação
Beneficente de Assistência Social e Hospitalar (Pró-Saúde), instituição que
atua desde 1967, quando iniciou a gestão do primeiro hospital da instituição,
em João Monlevade (MG).
Atualmente, a Pró-Saúde está presente
em 59 projetos: 34 hospitais, 02 Serviços de Atendimento Móvel de Urgência
(Samu), 4 Unidades de Pronto Atendimento (Upas) e 19 Unidades Básicas de Saúde
(UBS), além de atuar com a formação de profissionais de saúde com cursos,
seminários e Pós-Graduação/MBA em Gestão Hospitalar e Gestão da Qualidade em
Serviços de Saúde.
Para Bittencourt, que é diretor
operacional da Pró-Saúde, o uso da sustentabilidade na saúde ainda é pouco no
Brasil em virtude da falta de
divulgação, e principalmente da pouca atenção das instituições hospitalares à
importância de uma gestão sustentável aplicada às práticas hospitalares. “No
segmento saúde, pouquíssimas instituições atentaram-se para a importância da
sustentabilidade. Isso como exemplo de grandes complexos hospitalares que
existem no país e nada se preocuparam ainda com esse tema”, critica.
Apesar disso, Bittencourt acredita que
esse quadro será revertido em poucos anos, devido à divulgação de ações, como
as desempenhadas pela Pró-Saúde, que colhem frutos nas atitudes sustentáveis das
gestões hospitalares. “É uma questão de mais alguns anos para que essas
instituições despertem e vejam o quanto seu papel é importante nessa cadeia
produtiva. Até lá, instrumentos e veículos de comunicação, como a própria
revista especializada da Geração Sustentável, possuem papel fundamental
e de grande importância na disseminação do conhecimento, pois com a maciça
divulgação, bem como criação de cursos em sustentabilidade, é que teremos
instituições mais saudáveis e perpetuando para futuras gerações de forma mais
consciente e sustentável, sem degradar o meio ambiente”.
Hospital Municipal de Araucária (PR):
modelo de gestão consciente na área da saúde
Inaugurado em 2008, e desde o início
gerido pela Pró-Saúde, o Hospital Municipal de Araucária (HMA) vem despontando
como exemplo de gestão sustentável, e um dos carros-chefes da Pró-Saúde na
implantação de ações ambientalmente consciente.
O HMA conta com estrutura de 110
leitos, sendo o único hospital da cidade a atuar em atendimentos de urgência e
emergência, cirúrgicos, ambulatoriais, internações e partos, representando
referência para os mais de 100 mil habitantes da região. Em média, 6 mil
pessoas são atendidas mensalmente pelo HMA, todos pelo Sistema Único de Saúde
(SUS).
Se no mercado inúmeras práticas e
ferramentas complexas de consultorias são utilizadas para o auxílio de uma boa
gestão da qualidade e da sustentabilidade na área de saúde, para Bittencourt,
nas ações do HMA, soluções simples, mas de um alcance ambiental e social
imenso, foram implantadas paulatinamente na gestão.
“Desde o início da abertura do HMA,
focamos para a estruturação de uma gestão sustentável, e esse foco também é
disseminado para as demais instituições hospitalares em que a Pró Saúde atua,
evidentemente dentro da capacidade de atuação e adaptações necessárias a cada
tipo de projeto de saúde. Mas como digo, fazer ações sustentáveis é possível em
qualquer tipo de hospital, clínica, UBS, UPA, Laboratório e demais serviços de
saúde, desde que se tenha foco no que desejar ser realizado e pelo menos
iniciar as boas práticas de gestão sustentável”, pondera o diretor da
Pró-Saúde.
Entre as ações desempenhadas pelo HMA,
destacam-se a formação de uma comissão responsável por debater e propor
soluções para a diminuição de resíduos hospitalares e para a destinação correta
do lixo. As ações promoveram redução de 12% de lixo entre 2011 e 2012, ou seja,
nesse período, o Hospital deixou de produzir mais de 10 toneladas de resíduos –
com reaproveitamento de talos e cascas de alimentos promovidos pela equipe de
nutricionistas do Hospital – além de diminuir cerca de 32% do consumo de copos
plásticos, com a substituições por canecas de cerâmica.
O banimento do uso de produtos que
contenham mercúrio é outra ação realizada pelo HMA, que é signatário do Mercury
Free Health Care, da Organização Saúde Sem Dano. Em sua forma líquida, o
mercúrio é muito volátil, e, quando inalado, pode causar inúmeros problemas de
saúde, sobretudo no sistema nervoso, que pode causar efeitos desastrosos como
lesões e até a morte, dependendo do nível de concentração. O HMA, desde 2010,
lançou uma normativa interna proibindo a compra e o uso de qualquer produto que
contenha mercúrio.
E eliminação de mais de 700 litros de
resíduos altamente tóxicos e poluentes foi outra conquista do HMA, com a
implantação de sistema de digitalização de exames médicos, o que reduz o uso
desses agentes tóxicos, por exemplo, na revelação de filmes raios X.
A aplicação de práticas sustentáveis
da Pró-Saúde no HMA, como já mencionado, não se restringe às ações voltadas
para a gestão administrativa interna. A entidade se preocupa em manter relações
promissoras com a comunidade e com a Prefeitura de Araucária, como no projeto
Vale Vida. No momento da alta de cada bebê nascido no HMA, a enfermagem
acompanha os pais até a recepção do Hospital e entrega a eles uma muda de
árvore com um panfleto mostrando a importância da arborização da cidade para a
saúde do bebê no decorrer da vida. No período de um ano, cerca de 1.700 mudas
de árvores foram distribuídas.
De acordo com o diretor da Pró-Saúde,
pelo sucesso das ações e o empenho do corpo funcional do Hospital, o HMA
tornou-se um dos emblemas da instituição gestora nas práticas sustentáveis. “O
HMA é nosso maior referencial, pois iniciamos essas práticas com pensamento e
postura voltados para a qualidade e sustentabilidade, desde a abertura do
hospital, em 2008. Dessa forma, todo o planejamento foi feito com base nesses
princípios essenciais. Com o passar dos anos, naturalmente fomos reconhecidos
por diversas instituições que chancelaram nossas práticas, reconhecendo que uma
gestão técnica e profissional focada com princípios sólidos, certamente teria
sucesso, o qual poderá estar disponível para toda a sociedade que se utiliza
dos serviços desse hospital, fazendo com que todos ganhem”.
Relatório Internacional de Sustentabilidade
É recorrente a busca de certificações,
selos e timbres de instituições neutras e de reconhecimento público nas
atuações e gestões de empresas e instituições dos mais diversos setores de
serviço e produção.
Nas práticas sustentáveis, um dos
reconhecimentos é o Relatório Anual de Gestão e Sustentabilidade, fundamentado
em inúmeros indicadores de performance que foram padronizados pela GRI (Global
Reporting Initiative), sediado na Holanda, onde estabelece níveis de
complexidade e amplitude de informações em várias etapas do aprimoramento da
gestão focada em sustentabilidade.
O Hospital Municipal de Araucária,
gerido pela Pró-Saúde, foi o segundo hospital da América Latina a publicar um
relatório com selo de verificação da GRI (Level C), em 2011. São mensurados
mensalmente no relatório todos os aspectos que impactam de forma socioeconômica-ambiental,
além de realizada análises críticas para a busca da melhoria do desempenho,
disseminando para todas as partes envolvidas.
Segundo Bittencourt, a certificação
GRI é um reconhecimento de que as ações da Pró-Saúde, frente à administração do
Hospital de Araucária, estão no rumo certo. “O reconhecimento pela GRI, uma
organização neutra e internacional, reflete na chancela de que estamos
trilhando o caminho certo, um caminho sem volta para as organizações
responsáveis socioambientalmente e sendo reconhecida em caráter mundial. A GRI
reconhece e certifica toda e qualquer instituição empresarial, com base nesses
relatórios padronizados e que serve como selo das boas práticas da Gestão
Sustentável em nível mundial”.
http://issuu.com/revistageracaosustentavel/docs/gs_37_protagonismo_sustentabilidade
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