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quarta-feira, 18 de junho de 2014

Gestão Resíduos_Edição 37 _ Por um fio ecológico


Reaproveitamento de resíduos sólidos e utilização de materiais alternativos tornam menos impactante produção de fios, tecidos e vestuários

Jornalista Bruna Robassa

Dados do Ministério do Meio Ambiente apontam que o Brasil produz atualmente cerca de 150 mil toneladas de lixo por dia. Desse total, 59% vão para os lixões e apenas 13% são reaproveitados. Entre as indústrias que mais geram resíduos está a têxtil. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT), o Brasil é o 5º maior produtor têxtil do mundo, tendo faturado apenas em 2012 US$ 56,7 bilhões, o que representa mais de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial brasileiro.

Com a produção média de 9,8 bilhões de peças anualmente por mais de 30 mil empresas, os impactos decorrentes da produção de fios, tecidos e roupas percorrem toda a cadeia produtiva: desde o plantio do algodão até a confecção da peça, que é a etapa final. Há também os impactos gerados com a comercialização desses produtos. O cultivo do algodão, em decorrência da grande quantidade de pesticidas, inseticidas e fertilizantes utilizados para a obtenção da fibra, causa contaminação da água, do solo e da fauna local. Além disso, um grande volume de água é consumido nos processos de beneficiamento e acabamento de peças de tecido.

Solução • No entanto, graças a louváveis iniciativas de diversas empresas que têm visto na reciclagem uma oportunidade de negócio, parte dos resíduos sólidos das indústrias têxteis e também de outros segmentos do mercado, que antes ia para o lixo, pode ser reaproveitada, gerando manufatura de novos produtos e renda para famílias brasileiras.

Há 10 anos no mercado, a empresa blumenauense Eurofios produz fios ecológicos por meio do reaproveitamento de resíduos sólidos das indústrias têxteis da região. Todo o processo é feito pela companhia: desde a coleta, passando pela classificação e produção do barbante. Depois de separar o material por cores – evitando qualquer processo químico de tingimento – o resíduo se transforma em barbantes. Atualmente, já são quase 90 mil toneladas de resíduos do lixo e reaproveitados pela empresa.

Paulo Roberto Sensi Filho, diretor comercial da Eurofios, conta que existem muitas empresas têxteis na região e o descarte dos materiais acaba não sendo realizado de maneira correta. “Então, percebemos no problema uma oportunidade e transformamos esses resíduos em um novo negócio”, relata. Segundo ele, o maior incentivo da empresa é saber que está reciclando e transformando esses resíduos em novas oportunidades: desde as pessoas envolvidas no processo de produção até as artesãs que criam trabalhos com os produtos do empreendimento e geram uma segunda renda para sua família.

“O nosso principal e maior desafio é ser reconhecido pela sociedade e pelo poder público como uma empresa que tem o compromisso de reduzir os passivos ambientais e com a sustentabilidade”, diz. A parceria da Eurofios com as indústrias geradoras vai desde a logística interna nos geradores até o compromisso de garantir o destino correto dos resíduos gerados.


Conhecimento e renda • A Eurofios também aposta numa parceria com um especialista em crochê no Brasil, Marcelo Nunes, para disseminar o conhecimento sobre os trabalhos manuais e ensinar uma segunda fonte de renda para centenas de pessoas. “Muitas artesãs nem imaginam que os barbantes utilizados por elas são feitos de produtos recicláveis. E isso mostra que não há diferença entre a qualidade de uma peça feita com matéria-prima reciclada e produtos sem essa característica”, ressalta o diretor comercial da Eurofios.

Além da produção dos barbantes, a empresa também comercializa cortinas produzidas com material reciclado. “Com a aposta nesse segmento, reforçamos o maior valor da empresa, trabalhar com sustentabilidade, mas alinhar a reutilização de recursos com produtos funcionais e que não percam em design. Aproximadamente 75% do material utilizado para confecção da cortina vêm de reaproveitamento”, relata. Os itens já estão à venda no Sul do país e devem chegar aos outros estados em breve.

Fio PET • No Brasil, o estado de Santa Catarina é um dos maiores produtores de vestuário do Brasil e também a localidade que conta com ações sociais e ambientalmente conscientes mais evoluídas, como é o caso da Malwee, uma das principais indústrias do vestuário do Brasil. Há mais de quatro décadas em funcionamento, a preocupação da Malwee com a sustentabilidade já está incorporada ao seu DNA. Entre as ações de destaque está a utilização do fio feito de garrafa de PET em várias peças, o que já possibilitou a retirada de mais de 3,5 milhões de garrafas do meio ambiente. A iniciativa foi lançada no inverno de 2011 e a intenção da empresa é o resgate anual de milhões de PET da natureza. Com esse processo, diminui-se o volume de lixo, auxiliando na redução do consumo de material virgem a partir do petróleo, tendo reflexo direto em economia de energia e redução do aquecimento global.

Cenário mundial • A produção de matéria-prima e de produtos com menor impacto ambiental é uma tendência mundial. Enquanto a Europa tem aderido à elaboração de vestimentas de baixo impacto ambiental, a China, líder mundial no mercado têxtil e de confecção, está se adequando às novas leis relacionadas ao meio ambiente e às questões trabalhistas implantadas no país.

A companhia Barktex, sediada em Frankfurt, na Alemanha, desenvolveu um tecido a partir de casca de árvores que pode ser utilizado na customização de roupas, móveis de design de interiores. Cultivado em fazenda certificadas de Uganda, o produto é extraído de uma espécie de figueira chamada de mutuba, com possibilidade para ser convertido em lã, couro e madeira. Os idealizadores do projeto apontam que a manufatura do item demanda baixo consumo de água e energia elétrica.

Também na Alemanha, a empresa Qmilk utiliza caseína (uma proteína encontrada na bebida láctea) para a produção de fibras que podem ser usadas na fabricação de roupas, papel, itens hospitalares e até da indústria automotiva. Proveniente de recursos renováveis, 1 kg de fibras demora 5 minutos para ser feito e consome apenas 2 litros de água.

A indústria têxtil também tem produzido peças com fibras de bambu. Com característica termodinâmica, a fibra de bambu é biodegradável e propicia maciez, tornando-se um componente versátil para as quatro estações do ano. Sem necessitar de pesticidas ou fertilizantes, a planta se desenvolve rápido e, portanto, pode ser facilmente implantada no vestuário brasileiro.

Algodão ecológico • 80% da matéria prima utilizada na produção de vestimentas é algodão, sendo que os 20% restantes englobam aproximadamente 10 outros tipos de materiais. O algodão é a matéria-prima menos prejudicial ao meio ambiente, já que pode ser facilmente reutilizado, podendo até virar algodão novamente. Por outro lado, o pior resíduo é chamado de Rami – uma fibra dura e prejudicial ao meio ambiente. Assim como esse, os tecidos sintéticos e os feitos à base de petróleo ainda são muito utilizados porque aceitam outros componentes e porque possuem cor mais viva, no entanto, são altamente prejudiciais.

Mesmo sendo a matéria-prima de menor impacto ambiental, a produção de algodão ainda causa estragos na natureza. Visando reverter esse quadro, já surgiram no mercado iniciativas para produção de algodão ecológico. Com cerca de 700 trabalhadores em cinco estados do Brasil, entre homens e mulheres, agricultores, coletores de sementes, fiadoras, tecedores e costureiras, a empresa Justa Trama desenvolveu uma cadeia produtiva que inicia no plantio do algodão agroecológico e vai até a comercialização de peças de confecção produzidas com esse insumo.

Criada em 2004, com o desafio de produzir sessenta mil bolsas para serem distribuídas durante o Fórum Social Mundial, que seria sediado em Porto Alegre, em 2005, hoje a empresa já conta com coleção própria, lançada em 2011 na Itália, para onde também já enviou toneladas de fios de algodão para um grupo de microempresas.

Em 2011, apenas 1% do algodão produzido no Brasil não usava pesticidas, mas o mercado é considerado promissor. Apesar de mais trabalhoso, pois requer o cultivo sem o uso de herbicidas, o plantio do algodão ecológico tem gerado renda para milhares de famílias em várias regiões do Brasil.

Nas passarelas • A sustentabilidade dos tecidos também está nas passarelas e tem conquistado marcas famosas, como é o caso da Adidas. A coleção primavera/verão 2014 da Adidas by Stella McCartney é um dos exemplos. Segundo a estilista da marca, trata-se de uma coleção que incorpora elementos sustentáveis sempre que possível. Não só foi utilizado algodão orgânico, como fios reciclados e tecnologia de coloração a seco, como também foi feito grande esforço para reduzir o excesso de resíduos gerados na produção.

http://issuu.com/revistageracaosustentavel/docs/gs_37_protagonismo_sustentabilidade




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