Sob a ótica da "tragédia dos comuns" (Hardin, 1968), desvendamos no artigo passado (edição nº 36) porque o impasse impera em relação a possíveis soluções para as mudanças climáticas. A atmosfera é um bem público sem direitos de propriedade e de acesso livre, fazendo com que cada país tenha o incentivo de poluir pois, caso não o faça, outro país o fará. Com a "não cooperação", qualquer investimento em mitigação é um desperdício; revertendo investimentos, quando existentes, para adaptações intramuros.
Um agravante é a incerteza sobre quais seriam os custos reais das mudanças climáticas - como eles se materializarão, onde estarão e quem será mais afetado. Essas três perguntas são mensuráveis e quantificáveis em uma análise de custo-benefício para a implantação, digamos, de uma ferrovia. Investimentos em saneamento básico, noutro exemplo, são realizados porque seus custos de curto prazo ficam ínfimos quando comparados aos benefícios da população saudável no longo prazo.
Os cálculos de custo real tornam-se mais difíceis para o caso de uma hidrelétrica, onde parte significativa deles não está "a mercado", como por exemplo os efeitos ecossistêmicos da interferência do rio à jusante; ou ainda a perda de habitat. Embora difíceis de serem mensurados, esses custos ocorrem! Justamente por sua exclusão é que se julga uma hidrelétrica como Belo Monte de viável.
Os custos oriundos das mudanças climáticas, apoteose da globalização, são ainda mais difíceis de serem endereçados. Só vale a pena investir recursos e esforços, seja em mitigação ou adaptação intramuros, se os benefícios superarem os custos. Em “economês”: quando os danos marginais evitados igualem os custos marginais de adaptação. Mas...
- como calcular um "valor presente líquido", descontando os custos e benefícios futuros, se não conseguimos estabelecer as causalidades do processo?
- como calcular a eficiência de medidas mitigadoras, uma vez que o tamanho do reservatório (atmosfera) é global e o tempo de residência do CO2 implica vida útil longa?
- como determinar a taxa de desconto para algo global e de prolongado prazo?
Eis que, por mais deprimente que seja a lista acima, existem razões para tomar ações tempestivas. A análise de custo-benefício é superada quando se tratam de custos que comprometem a estabilidade estrutural da economia. Foi justamente essa a justificativa que permitiu ao Governo Americano usar US$ 700 bilhões de dinheiro público para socorrer empresas privadas no pós-crise de 2008.
De acordo com a teoria dos jogos, é racional minimizar a possibilidade de perda dentro de um cenário de concretização do pior cenário, ou perda máxima (estratégia "minimax"). Exemplo: uma vez que a transição de combustíveis fósseis para energias renováveis ocorre de forma inexorável, porém insuficientemente lenta, pode-se cobrar uma taxa de carbono (custo de curto prazo) para acelerar o compasso da desejável mudança.
E não é que os custos econômicos relativos a eventos climáticos extremos estão se provando deveras desestabilizadores? Entre o final de 2013 e início de 2014, temos: Estados Unidos e Canadá com recorde de frio; Califórnia com seca ímpar; costa Britânica com chuvas e inundações bíblicas; Austrália e sul da América do Sul derretendo. Quem ainda não acredita nas mudanças climáticas deve estar se aconselhando com o Papai Noel!
Quem sabe os eventos climáticos extremos, com seu potencial de desestabilização econômica estrutural, mude a ponderação entre custos e benefícios da comunidade política frente às mudanças climáticas. Não obstante, o já bombástico alerta da comunidade científica (vide link abaixo) quiçá a inação política seja finalmente quebrada quando, literalmente, a água bater na bunda.
*Resumo do último relatório do Painel Inter governamental sobre Mudanças Climáticas: www.ipcc.ch/report/ar5/wg1/docs/WG1AR5_ SPM_FINAL.pdf
Daniel Thá - Mestre em Economia Ambiental e Economia Internacional, consultor.
http://issuu.com/revistageracaosustentavel/docs/gs_37_protagonismo_sustentabilidade
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