Cooperativismo de crédito: Promovendo o equilíbrio social e econômico
“Para todo problema econômico há uma solução cooperativa”. Não tinha outra forma de destacar a abertura desta entrevista se não utilizando essa celebre frase de um dos maiores pensadores do cooperativismo, o professor francês Charles Gide. Na atual conjuntura do setor financeiro brasileiro, com a concentração do crédito nos grandes bancos privados, esse modelo de organização é muito atual e ganhará novos adeptos nos próximos anos.
O cooperativismo de crédito existe há mais de um século no Brasil, mas nos últimos cinco anos o segmento vem se consolidando e experimentando um crescimento expressivo, praticamente dobrando de tamanho. Segundo dados do Banco Central, no fim do ano passado as cooperativas representaram 2% da participação no mercado financeiro no país. O objetivo das cooperativas de crédito é conquistar uma fatia de 10% do mercado bancário em dez anos, realidade que existe em países como Holanda, Alemanha, Estados Unidos, entre outros. As cooperativas de crédito fazem parte do sistema financeiro nacional, como qualquer banco, e estão submetidas à regulação e supervisão do Banco Central, mas nessas instituições financeiras existem diferenças significativas na atuação, que as tornam um dos melhores modelos para o desenvolvimento sustentável das comunidades.
Para explicar mais sobre esse modelo de negócio que atua baseado em princípios fundamentados em prol do desenvolvimento e com projetos sociais voltados à educação, consistindo assim, na sua essência, um caráter sustentável, conversamos com o presidente da holding Sicredi Participações S.A., presidente da Central Sicredi PR/SP e o único brasileiro na diretoria do Conselho Mundial do Cooperativismo – Woccu, Manfred Alfonso Dasenbrock
1)Traçando um paralelo entre cooperativas de créditos e bancos, qual seria a maior diferença na atuação e nos objetivos?
A maior diferença é que, quanto mais serviços os associados de uma cooperativa de crédito utilizam mais a cooperativa cresce e mais os próprios associados se beneficiam, pois a regra é que o dinheiro aplicado na cooperativa só pode ser reinvestido na própria região. Além disso, o resultado positivo do ano é distribuído entre os associados, proporcionais às operações realizadas por cada um.
Ao traçarmos um paralelo comparativo entre as cooperativas de crédito e os bancos, é fundamental lembrar que as cooperativas são sociedades de pessoas, elas são a alma do empreendimento. Os associados são donos e usuários ao mesmo tempo, e fazem parte de uma comunidade ou de um segmento específico.
2) Dessa forma, as cooperativas de crédito redirecionam os recursos para o desenvolvimento das comunidades onde atuam. Como são determinadas essas estratégias de investimentos locais?
Cada unidade da cooperativa tem o seu planejamento anual, que é baseado em estratégias e demandas locais e pontuais. A cooperativa existe para satisfazer à necessidade dos sócios. Manejar a distribuição destes cabe à administração da cooperativa, que ainda deve aliar as necessidades de captação e capital necessárias.
3) O compromisso com as dimensões econômica e social faz parte da modelo cooperativista, isso, por si só, é um exemplo de maturidade em relação aos princípios de sustentabilidade?
Sim. A cooperativa, em especial a de crédito, é um movimento de comunidade. E quando eu afirmo que o recurso captado na comunidade fica na comunidade para gerar melhorias financeiras, desenvolvimento e geração de riquezas, estou promovendo esse princípio. A lógica da cooperativa é outra, ela é um empreendimento coletivo que visa ao crescimento econômico de todos os associados.
4) Considerando que o cooperativismo surgiu como uma forma de organização social para a solução de problemas econômicos, como uma cooperativa pode contribuir também para minimizar os impactos ambientais? É necessário repensar o modelo?
Investindo em educação ambiental, na formação dos cidadãos do futuro, nas crianças e nos adolescentes. O Sicredi tem um programa A União Faz a Força, que estimula a elaboração de centenas de projetos de cunho socioambiental, desenvolvidos nas escolas pelas próprias crianças, em prol das comunidades e envolvendo toda a sociedade. O Programa A União Faz a Vida é desenvolvido nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, e engloba 144 municípios, abrangendo 1.221 escolas, 179.175 alunos e 14.579 educadores.
5) Os Programas de educação cooperativa como o “A União faz a Vida” reforçam conceitos de sustentabilidade e comprometimento da cooperativa com a comunidade?
Perfeito. O Programa A União Faz a Vida está embasado no princípio cooperativista de educação, formação e informação, mas atinge sua plenitude quando integrado a outro princípio, o de interesse pela comunidade. Porém, a gestão integrada desse Programa por parte dos agentes é fundamental para a eficiência desse processo nas comunidades, sendo eles a prefeitura por meio da secretaria de educação e coordenação local; as assessorias pedagógicas; os apoiadores e a própria sociedade, tanto nas cidades onde eles estão inseridos e naqueles que estão se preparando para implantar o Programa no futuro.
6) Como desenvolver uma gestão sustentável dentro de uma organização financeira, considerando as dimensões social, econômica e ambiental?
Direcionando as ações e esforços na formação de crianças e adolescentes com espírito de cidadania. Promovendo a cooperação e a ajuda mútua, mas com forte apelo comunitário. As comunidades são o motor de toda a sociedade, e nosso objetivo é deixar um legado para as gerações futuras. A própria atuação das cooperativas baseada nos valores de ajuda mútua, responsabilidade, democracia, igualdade equidade e solidariedade reforça o objetivo de promover o desenvolvimento da comunidade abrangendo as três dimensões da sustentabilidade.
7) O segmento crédito é o que mais cresce dentro do sistema cooperativista brasileiro. Quais são os índices de crescimento e quais são os fatores que mais contribuem para essa evolução?
Os índices de crescimento são muito positivos e o crescimento é percentualmente acima da média do mercado competidor, exceto o resultado, pois as cooperativas visam agregar renda às pessoas na comunidade. Um dos motivos para esse crescimento é a gestão eficaz com transparência, bem como o atendimento mais humano na prestação de serviços financeiros. Acreditamos fortemente que o relacionamento faz toda a diferença.
8) As cooperativas de crédito estão modernizando seus modelos de gestão dentro dos conceitos de governança corporativa, inclusive o Banco Central já utiliza o conceito de governança cooperativa? Como funciona esse conceito na prática?
A organização do quadro social é que inicia esse processo. No Sicredi, por meio dos Programas Crescer e Pertencer, que visam ampliar a participação dos associados na tomada de decisões dos negócios da sua cooperativa, é que se alcança essa dimensão, pois eles geram sustentação e transparência à gestão.
Além disso, o investimento e capacitação de dirigentes, executivos e colaboradores também reforçam essa sustentação, aliado às boas práticas de governança que, por exemplo, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) divulga.
9) Que mensagem final gostaria de deixar para os leitores da revista Geração Sustentável?
O nome da revista é fantástico e tem tudo a ver com o investimento em educação ambiental, ou seja, na formação de uma consciência, de uma vontade voltada para o presente e o futuro, onde vivemos e onde viveremos.
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Veja os conteúdos dessa edição:
Matérias:
Capa: Saiba como andam as práticas de sustentabilidade dos bancos brasileiros
Visão Sustentável: Novas profissões ajudam a melhorar vidas, carreiras e sociedade
Desenvolvimento Local: Iniciativa sustentável inova modelo de entregas
Educação e Sustentabilidade: Abrindo o silêncio para o mundo
Responsabilidade Social: Sustentabilidade - da teoria à prática
Gestão de Resíduos: Iniciativas privadas buscam educar a sociedade a reduzir, reutilizar e a reciclar lixo
Artigos:
Rosimary Oliveira - Como criar uma geração insustentável
Ivan Dutra - Da Tunísia a Wall Street
Jeronimo Mendes - O encanto permance, mais o gosto muda
Yuri Beltramin - Como estamos construíndo nosso mundo sustentável?
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